9.12.12

Descentralizando a drenagem urbana

"Beco do Batman" vira rio em dias de chuva forte. [Fonte]
Há muitos críticos em relação à impermeabilização do solo e ao desequilíbrio ambiental causado pelo homem em ambientes urbanos, sendo uma das principais críticas em relação ao desenvolvimento de cidades, urbanização e adensamento populacional nas cidades brasileiras. Mas urbanismo é o ambientalismo dos seres humanos: biologicamente falando, o habitat urbano que construímos nas cidades é semelhante às colméias de abelhas, barragens de castores, formigueiros ou casas do João-de-Barro. Todos animais interferem no meio ambiente para, dentro da sua capacidade, influenciá-lo ao seu favor. Além disso, o estudo atual da biologia considera o ecossistema terrestre como um ambiente caótico e em constante transformação quando vamos para a escala de tempo do nosso planeta, com espécies surgindo e se extinguindo, climas sendo alterados e continentes se movimentando, e não em equilíbrio como se imaginava no passado.

Mas problemas claros surgem com a transformação da natureza pelo homem, e um deles são as enchentes causadas pela ocupação de depressões geográficas e a impermeabilização do solo em ambientes urbanos. Assim, para permitir qualquer adensamento de uma metrópole - o processo de urbanização - é preciso tanto de infraestrutura suficiente para captar e escoar toda a água de forma segura como de área permeável suficiente para que o próprio solo absorva a água naturalmente. Cidades normalmente precisam de um misto entre as duas soluções, e mesmo com técnicos experientes é difícil saber qual o melhor caminho a ser seguido, quanto, onde e como investir para uma grande metrópole.

Apesar de o governo brasileiro ter o dever de prover infraestrutura adequada à população com o dinheiro retirado na forma de impostos, o planejamento impõe parte da responsabilidade sobre os construtores, exigindo grandes áreas permeáveis ou bacias de contenção pluvial para ajudar a mitigar enchentes. Quando novas obras não são aprovadas via corrupção municipal, todas elas seguem estas regras. Porém, outras regulações impostas pelas prefeituras, como vagas mínimas de garagem, entram em conflito com a legislação de impermeabilização do solo, já que garagens precisam além da área das vagas de grandes espaços de manobra e, assim, grandes áreas concretadas. Além disso, a área permeável normalmente é ditada "a varrer" para toda a cidade, indiferente ao risco de enchentes que cada bairro sofre, a contribuição que cada bairro tem para este problema ou qual a infraestrutura existente para cada região.

Também é notável a ineficiência do estado nas reformas infraestruturais para drenagem e contenção de enchentes, tornando a responsabilidade praticamente apenas do construtor na mitigação deste problema urbano. Em maioria das cidades brasileiras, o esgoto pluvial corre junto com o cloacal, além de não receberem a manutenção adequada, algo comum mesmo nas nossas maiores metrópoles. Assim, sempre que novas áreas são adensadas há uma justa percepção negativa, já que é feito de forma irresponsável tanto pelo regulador municipal como pelo construtor, que segue os incentivos que são ditados pela lei. Um exemplo é o Córrego Verde, que passa sob a Vila Madalena, em São Paulo, e é de propriedade e responsabilidade da Prefeitura. Em dias de chuva forte, por falta de manutenção e pela ocupação de suas várzeas, ele transborda e é uma das principais causas das enchentes no bairro.

A regulação de todas propriedades por um grupo de técnicos cria uma série de ineficiências, normalmente na subprodução de infraestrutura necessária para conter enchentes, no encarecimento desnecessário de várias construções, na restrição de alternativas arquitetônicas para um determinado terreno e no aumento da corrupção, já que muito poder é concentrado em um pequeno grupo de pessoas para aprovar ou desaprovar o desenvolvimento de uma metrópole.

Ao mesmo tempo, o incentivo que os políticos municipais tem para realizarem obras infraestruturais deste porte são pequenos, já que infelizmente não é o resultado prático das suas ações que decidem as eleições. Ao acompanhar o resultado de eleições pelo mundo vêmos que tempo de televisão e exposição na mídia, carisma, alianças políticas, discursos populistas e agrados a grupos de pressão organizados como grandes corporações ou grupos religiosos contam muito mais para o jogo político democrático do que obras que ajudam um grande coletivo urbano.

Uma alternativa à gestão centralizada atual seria a potencialização do conhecimento local através do fortalecimento dos direitos de propriedade dos vizinhos através de uma regra simples: um proprietário não pode jogar água de seu terreno no terreno do seu vizinho (considerando a rua também um vizinho) sem pagar multas, taxas ou compensações acordadas entre os vizinhos ou entre a comunidade do bairro. Este sistema torna as decisões e a gestão das águas urbanas dispersas por toda cidade, tornando o que antes era um único planejamento centralizado, com muita dificuldade de obter informações locais como detalhes geográficos ou preferências específicas, para um planejamento disperso, onde o modelo de mitigação de enchentes para uma grande metrópole não é um pacote fechado com um resultado definitivo, mas a soma de uma série de decisões locais agindo com este mesmo objetivo. Cada morador decidindo localmente fica livre para agir da forma que achar mais interessante, seja construindo bacias ou deixando áreas permeáveis como já acontece hoje ou qualquer solução razoável que seja apresentada, como construção de telhados verdes (que hoje não são aprovados como área de contenção pluvial em maioria dos municípios), financiando uma empresa - pública ou privada - para captar sua água ou utilizando tecnologias alternativas para reter a água de uma forma menos custosa. Também permite a cada cidadão usar sua criatividade para inovar nas soluções de drenagem, algo que o sistema atual não incentiva de forma alguma, já que trabalha com um sistema regulatório normativo e fechado. Talvez a captação de água de terrenos adjacentes surja como uma oportunidade de negócio, e construções podem contar com bacias maiores que as necessárias já prevendo a captação de água de terrenos vizinhos como uma fonte de renda para os usuários do terreno. Esta solução muda a responsabilidade que cada cidadão tem com seu terreno, tornando-o parte da solução para os problemas da cidade ao invés de um agente passivo que ora culpa as suas mazelas nas grandes incorporadoras ou na falta de ação do município. 

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