Culto à Carga: Nativos de ilhas do pacífico reconstroem avião de palha
e madeira na esperança de que ele voe.
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Durante a Segunda Guerra Mundial, diversas ilhas pouco habitadas do Pacífico se tornaram temporariamente fundamentais à guerra.
Algumas ficaram marcadas na história por causa de grandes batalhas, enquanto outras foram esquecidas depois de servirem de aeródromo, locais de treinamento ou depósito de suprimentos. Povos indígenas de algumas ilhas foram expostos à tecnologia moderna e tiveram grande acesso à produtos e mercadorias ocidentais que muitos nunca haviam visto antes. Mas quando a Guerra terminou, na maioria dos casos a tecnologia desapareceu e os produtos pararam de ser trazidos.
Confusos por essa mudança repentina, algumas das ilhas mais remotas construíram réplicas rudimentares da tecnologia ocidental - pistas feitas de folhas de palmeira e fones de ouvido feitos de coco - pois acreditavam que ao imitar a tecnologia iriam atrair os aviões lotados dos suprimentos aos quais haviam se acostumado. Eles achavam que a presença da pista de decolagem faria com que os aviões cargueiros aparecessem. Os antropologistas chamavam esses grupos de "Cultos à Carga".
No mercado imobiliário há diversos exemplos de "Urbanismo de Culto à Carga". Queremos ambientes urbanos, então criamos lugares que parecem urbanos, essencialmente esperando que aviões comecem a pousar. Quando isso não acontece, contemplamos nossas paisagens urbanas perfeitamente recriadas e nos perguntamos o que aconteceu de errado. Em locais além das periferias vemos isso frequentemente: são construídos centros de cidades sem construir cidades propriamente ditas.
Frequentemente, vê-se o urbanismo de Culto à Carga em volta de planos diretores ou regimes de zoneamento que requerem densidades pouco realistas ou misturas de usos que não são suportados pela demanda do mercado. Por exemplo, recentemente tivemos contato com um município onde o plano diretor exigia um padrão de Desenvolvimento de Vizinhança Tradicional ao longo de um corredor varejista em decadência. Embora alguns incorporadores aceitem o ônus de ter espaços comerciais que não conseguem alugar em troca de potencial construtivo para uso residencial, o que isso realmente faz é prejudicar ainda mais o corredor varejista com lojas vazios que irão, por sua vez, diminuir o valor dos imóveis residenciais. Em outros casos são os incorporadores que são sugados pelo Culto à Carga. Eles veem pessoas da geração Y reunidas em um café e concluem que a presença deste estabelecimento no seu prédio irá trazer locatários daquela geração. Considerando que existam locatários suficientes no mercado com esse perfil eles podem ter alguma razão. Caso contrário eles estarão desperdiçando uma metragem quadrada preciosa.
Não há dúvida de que um bom desenho urbano pode mudar o comportamento dos consumidores ou influenciar a aceitação de algum lugar específico - mas esses consumidores primeiro devem existir. Surpreende a quantidade de comunidades e planejadores urbanos que não investigam e se informam apropriadamente sobre o mercado antes de embarcarem em projetos de larga escala. Até mesmo feiras de rua, que podem ser excelentes para o desenvolvimento econômico e a revitalização de um bairro, têm uma altíssima taxa de insucesso que geralmente pode ser rastreada a avaliações do mercado consumidor fracas ou inexistentes.
Em última análise, a melhor forma de evitar o "Urbanismo de Culto à Carga" é avaliar cuidadosamente o mercado e entender o que realmente impulsiona a demanda imobiliária. Isso não significa um estudo já pronto das generalidades dos locais próximos ao projeto, mas sim uma análise profunda que considere as realidades atuais e as tendências emergentes nas ruas, quadra à quadra.
Essa abordagem pode nos ajudar a guiar uma comunidade imaginada de forma grandiosa mas inviável na direção de um projeto de menor escala mas com força suficiente para atrair investimentos privados, gerando transformação de verdade. Considerando o lado do incorporador, essa abordagem pode ajudá-los a identificar os segmentos não explorados do mercado que podem ser mais lucrativos do que aquilo que é atualmente tendência nas cidades.
Não precisa de muito para fazer a lição de casa a respeito de economia de mercado, e departamentos de planejamento urbano têm essa responsabilidade tanto quanto os planejadores. A última coisa que queremos é estar diante de paisagens urbanas vazia e desocupadas, como fazem muitos daqueles habitantes das ilhas à espera de aviões que nunca virão.
Texto escrito por Jonathan Bartlett
Tradução por Thiago Alminhana
Revisão de Anthony Ling
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