22.4.14

Moradia é uma questão de oferta e demanda

Esta é uma tradução do artigo "The spectre hauting San Francisco" escrito por Ryan Avent, correspondente de economia da revista The Economist e autor de “The Gated City

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Ontem o the New York Times publicou uma matéria sobre uma crescente crise de aluguéis nos Estados Unidos:
“Para aluguéis somados à seus acréscimos serem considerados acessíveis eles devem representar não mais de 30 por cento da renda de uma residência. Mas esta meta está crescentemente inatingível para famílias de classe média em um mercado apertado que empurra os aluguéis pra cima cada vez mais rápido, superando modestos aumentos salariais.A dificuldade não é restrita à cidades tradicionalmente caras como Nova Iorque ou San Francisco. Uma análise do The New York Times pela Zillow, o site de imóveis, encontrou 90 cidades onde o aluguel mediano – sem contar os acréscimos – era mais que 30 por cento da renda bruta mediana da cidade.”
A matéria concorda com a ideia de que o aumento dos aluguéis – ou custos de moradia em geral, nos Estados Unidos ou qualquer outro lugar – tem motivos além da oferta e demanda. Ativistas para moradia acessível gostam de apontar que maioria das novas construções são habitações de luxo, querendo dizer que a oferta de unidades não-luxuosas não estão crescendo muito. Outros gostam de dizer que os preços historicamente diminuíram junto com a diminuição no ritmo da construção.

Ambos estes argumentos estão errados. O último ponto inverte causa e consequência: dado um declínio inesperado na demanda por motivo de crises financeiras ou outros choques os preços caem e o interesse em novas construções de dissipa até o esgotamento do estoque existente. O primeiro ponto deixa escapar a fungibilidade fundamental do imóvel. Quando há um atraso na construção de novas unidades de luxo os muito ricos compram estoques imobiliários mais antigos a preços exorbitantes e pagam para reforma-los. Se vê isso em Londres, por exemplo, onde literalmente toda residência na cidade está sendo reformada, incluindo aquelas que foram reformadas ano passado. Moradores tomam iniciativa para espantar construtoras que tentam erguer seus andaimes, supondo que os proprietários querem adicionar um ou dois andares na sua residência. É uma dor de cabeça. Tem uma equipe de empreiteiros arriscados escavando uma nova adega pra gente neste exato momento. O ponto é que se a demanda para construções de ponta não seja satisfeita com novas construções ela vai fluir à oferta existente, colocando pressão para aumentar os preços de imóveis até se tornarem absurdos.

Um artigo recente no TechCrunch coloca muito bem este ponto em uma boa explicação sobre a crise imobiliária de San Francisco. A economia da Bay Area está disparando mas a região é uma das mais difíceis de se construir no país. Assim, preços estão disparando e bairros estão se transformando, ocasionalmente gerando conflitos sociais desagradáveis.

Casa no Itaim Bibi se recusa a vender a incorporadores: não necessariamente estão
fazendo um bem à cidade [Fonte: Folha]
Mas a autora do artigo do TechCrunch, Kim-Mai Cutler, coloca o dedo na ferida do problema. Sim, restrições à oferta são a causa da crise de acessibilidade. O problema surge ao tentar entender porque aquelas restrições estão lá e como aliviá-las.

A questão não é uma limitação técnica. Em mercados de petróleo se tem uma fonte barata de oferta na forma de petróleo que basicamente borbulha naturalmente do chão. Mas o aumento da demanda reduz a disponibilidade de oferta de petróleo desse tipo e preços disparam. Nesse ponto que todos nós nos preocupamos até que a tecnologia vem para nos resgatar. Engenheiros encontram novas formas de fazer coisas usando menos petróleo, novas maneiras de escavar buracos e novas maneiras de atirar água na pedra até ela não aguentar mais e chorar lágrimas de petróleo. Moradia não funciona exatamente assim. Existem maneiras mais baratas e mais caras de se construir imóveis, mas em cidades que enfrentam estas crises os custos de construção constituem uma parcela relativamente pequena do custo da moradia. O resto é renda.

Sim, renda, no sentido econômico da palavra:
“Renda econômica é o custo dos ativos ou das vantagens não produzidas; o resultado de uma exclusividade natural ou adquirida.”
Obrigado, Wikipédia. Então, San Francisco é um lugar legal pra morar. É um lugar legal pra morar por uma série de motivos: o clima não é ruim, a zona rural ao redor é incrível, a cidade tem todo tipo de coisas geniais e (talvez o mais importante), morar em San Francisco dá acesso ao mercado de trabalho local, algo excelente para se ter acesso. Se regulações não fizessem muito para desencorajar a criação de mais oferta de moradia o mercado por San Francisco seria bem competitivo: qualquer um que possui um terreno em San Francisco poderia fazer mais San Francisco ao construir naquele terreno. O preço de San Francisco cairia ao seu custo marginal, que é o custo de construir uma unidade adicional de moradia, que não é muito alto.

Agora, ao baixar o custo de morar em San Francisco o superávit do consumidor disponível para morar lá vira extraordinário e todo mundo ia querer se mudar pra lá. Fluxos de imigrantes só parariam quando o custo de fazer mais San Francisco crescesse até igualar o valor ganho de San Francisco pelo morador marginal. Preços aumentariam porque quanto mais densa a cidade se tornasse mais caro seria de construir novas unidades (construir torres super-altas custa mais por unidade que construir edifícios de apartamentos modestos). E o valor para o morador marginal diminuiria por dois motivos. Primeiro, o morador marginal por definição é alguém que está relativamente indiferente entre morar em San Francisco e morar em algum outro lugar. Todos mais desesperados em morar em San Francisco já teriam se mudado. Segundo, a medida que as pessoas entram na cidade os custos de congestão aumentam, reduzindo o valor de San Francisco para todos em San Francisco.

De forma geral, é por isso que temos coisas como Leis de Zoneamento. A população que maximiza o bem-estar de San Francisco pode ser maior (e possivelmente muito, muito maior) do que a população que maximiza o bem-estar daqueles que já moram em San Francisco. Então a cidade cria uma série de regulações que efetivamente tornam os residentes atuais monopolistas, capazes de artificialmente limitar a oferta e aumentar os preços. A sociedade como um todo fica em uma situação um pouco pior, enquanto os moradores de San Francisco ficam em uma situação um pouco melhor.

Mas, na verdade, a estrutura da política municipal tende a aumentar o rent-seeking, gerando custos sociais enormes. Os custos e os benefícios do crescimento populacional ocorrem de maneira que praticamente garantem regras construtivas altamente restritivas. O (grande) potencial benefício aos possíveis futuros moradores de San Francisco viriam das pessoas que não tem poder político algum em San Francisco. Os ganhos do crescimento populacional são distribuídos amplamente aos moradores de San Francisco: quando um novo projeto permite que mais pessoas morem em San Francisco, todos na cidade tem um pequeno ganho desse crescimento – pelo aumento do tamanho do mercado, mais oportunidades profissionais, spillovers de conhecimento e assim por diante. Mas há um nível de população que gera um prejuízo líquido para os moradores de San Francisco. Assim, moradores de San Francisco vão limitar o crescimento antes que ele atinja este nível, pois sempre haverá constituintes poderosos para travar projetos.

Assim terminamos com regulações altamente restritivas ao mercado imobiliário. A oferta limitada significa que a distância entre o custo marginal de uma unidade em San Francisco e o valor marginal para o morador de San Francisco (e o preço de mercado dessa unidade) é enorme. Essa diferença é embolsada pelo NIMBY (NT.: acrônimo de “Not In My BackYard”, ou “Não No Meu Jardim”) rent-seeker de San Francisco. Não importa o qual altruísta eles achem que seja o seu trabalho, o resultado é similar a quando ricos da bancada industrialista fazem lobby para eliminar concorrentes do seu mercado.

O New York Times cita Tyler Cowen:
“Tyler Cowen, um professor de economia da George Mason University, argumenta que a própria definição de trabalho e capital são arbitrárias. Ele tenta, ao invés disso, procurar os fatores de produção relativamente escassos e encontra dois: recursos naturais, que estão terminando, e boas ideias, que podem atingir mais mercados do que nunca.
Se você possui um desses você consegue tirar o máximo dos benefícios do crescimento. Senão, não.”
Ideias e recursos naturais são escassos relativos à trabalho desqualificado e água salgada, mas eles não são escassos. Temos máquinas para produzir mais ideias e chamamos elas de coisas como “San Francisco”. Essas ideias, convenientemente, nos permitem estender a vida aparentemente limitada de reservas de recursos naturais praticamente indefinidamente. Se você tinha grandes reservas de petróleo você podia achar que tinha tudo garantido já que não se pode fazer mais delas. Então veio a fratura hidráulica e de repente sua habilidade de colher as recompensas do crescimento econômico foram drasticamente reduzidas. E se você foi o espertinho que trabalhou para companhias que desenvolveram ideias brilhantes como a fratura hidráulica, você pode ter achado que tinha tudo garantido, já que criar novas ideias é difícil e, portanto, valioso. Aí você foi pagar seu aluguel.

É útil pensar nessas coisas dentro do contexto do “Capital” de Thomas Piketty. Considere este gráfico:



A proporção de riqueza na renda nacional está crescendo nos Estados Unidos, e boa parte disso desse crescimento está associado à moradia (na Grã Bretanha e na France, moradia é ainda mais importante). É possível que um aumento no estoque de moradias reduza o preço e o valor das moradias, mas ele não pode reduzir a riqueza total. Pois nesse caso os ricos que pagavam uma boa parte do seu salário em moradia podem nesse caso guardar esse dinheiro e investir isso em outro lugar, levando a aumentos correspondentes em outros investimentos sejam domésticos ou estrangeiros. Mas eu suspeito que a história não para por aí. No seu artigo, Cutler coloca um ponto ao qual já me referi no passado:
“O economista da Universidade de Berkeley Enrico Moretti calcula que um único emprego no setor de tecnologia normalmente produz outros cinco empregos em serviços locais adicionais. 
Mas em San Francisco este efeito de spillover é muito menor. É porque uma porção tão grande da nossa renda está indo para custos de moradia. O economista Ted Egan estima que cada novo emprego no setor de tecnologia em San Francisco gera algo em torno de dois empregos adicionais, não cinco.”
A dinâmica de moradia em San Francisco aumenta a intensidade do capital para consumo. Isso contribui para um aumento na renda e no estoque de riqueza na economia. As restrições de zoneamento são uma ferramenta da oligarquia, efetivamente. Estou apenas um quarto brincando. Mas elas são mesmo: elas são uma maneira através da qual donos de capital extraem uma parcela aumentada do excedente gerado pela criação de empregos.

Então o que deve ser feito? Bem, uma opção é simplesmente usar as manivelas do governo para recapturar o excedente e redistribui-lo às massas. Não é uma solução ideal, pelo menos neste caso, pois empilha incentivos desagradáveis sobre as distorções que já foram criadas pelas restrições de zoneamento. Melhor corrigir a distorção inicial, o que nos leva à segunda opção.

Você pode reformar instituições locais para gerar melhores resultados de zoneamento. Há várias boas ideias de como fazer isso por aí. O que está menos claro é como alguém cria suporte para a reforma institucional. Não devemos sair dizendo que é impossível, mas primeiro essas ideias devem vencer batalhas intelectuais para depois vencer batalhas políticas, então é seguro concluir que tais reformas representam parte de uma estratégia de melhorias de longo prazo.

Talvez o mercado vai se corrigir sozinho? Isso não é totalmente impossível. Vamos assumir que há uma persistência à restrições de zoneamento, tanto que cidades relativamente liberais para construção se mantenham dessa forma mesmo após o crescimento da população. Vamos assumir também que a medida que San Francisco perde possíveis migrantes para outras cidades, começa a surgir massas críticas de pessoas abrindo caminho para o surgimento de novos hubs de tecnologia, que pelo menos parte se dará em cidades liberais para construção. Então talvez uma delas eventualmente gera um salto na sua liderança tecnológica como uma cidade que gosta de construir mais que San Francisco. Por outro lado, se o zoneamento de San Francisco rejeita apenas não-techies que somente aumentariam a congestão de San Francisco sem contribuir muito às suas sinergias tecnológicas, então as restrições de San Francisco podem estar reforçando seu status como um líder tecnológico.

Isso deixa a tecnologia como a salvação. Talvez possamos inventar ótimos hologramas que tornam menos crítica a presença física em San Francisco. Talvez inventemos a teletransportação, que o raio parta as leis da física. Talvez simplesmente vamos desenvolver maneiras melhores de construir e desenhar cidades, que minimizam os custos reais ou percebidos de novas construções aos moradores da cidade.

Ou podemos não fazer nada, simplesmente sentar e observar a moradia permanecer um instrumento da oligarquia. Quem vai saber. Mas seja como for que isso acabe, devemos ser claros sobre o que está acontecendo e quais foram os seus efeitos.

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