6.8.10

Condomínios Fechados / Gated Communities

A construção ou organização urbana mais condenada na âmbito acadêmico da arquitetura é, sem dúvida, o condomínio fechado. Um condomínio fechado pode ser tanto horizontal (casas) quanto vertical (edifício), sendo um conjunto de moradores cercados ou murados, também dividindo serviços como quadras esportivas, restaurantes e até escolas. A grande crítica é de que é um isolamento das pessoas do resto da cidade, a chamada "negação da cidade", criando um espaço privado onde as pessoas não teriam o senso de comunidade existente quando conectados com a cidade. Os muros tornariam as ruas mais perigosas, já que as calçadas adjacentes seriam desertas e sem a vigilância natural dos moradores. Outro problema seria um perigo ainda mais grave para o morador, onde o assaltante, após entrar na propriedade, estaria invisível aos olhos dos passantes, protegido pela própria barreira que foi construída para impedir sua entrada.

Condomínio Terra Ville, em Porto Alegre: terrorismo urbano pra muito urbanista

Porém, imagino que se o isolacionismo e a criação de muros é uma coisa ruim, construir um muro em uma única residência unifamiliar é com certeza pior do que a construção de um condomínio fechado. O próprio conceito de condomínio vem de uma vida em comunidade onde há interação entre os moradores, em que os custos da segurança e dos serviços e a organização dos assuntos do condomínio são feitas de maneira muito mais comunitária do que moradores em residências unifamiliares separadas. Se arquitetos e urbanistas desejam criticar o isolamento, deveriam focar-se mas nos moradores de residências unifamiliares que decidiram construir um muro para se protegerem.

O problema de existirem serviços dentro de um condomínio, como restaurantes e colégios, facilitando a vida dos moradores, não é uma acusação que deva ser levada tanto em consideração quanto o da segurança. Se ele será alvo de crítica, deve-se criticar também serviços de tele-entrega usados por praticamente todo mundo hoje em dia, que possibilita a permanência do consumidor em casa e a sua “segregação” do resto da cidade. Mas na questão da segurança, antes de implementar políticas contra o suposto isolacionismo, devemos justificá-las: como saber que um bairro murado seria mais seguro se todos os muros fossem derrubados?

Os condomínos fechados atuais quase sempre tem um sistema de câmeras de monitoramento da redondeza ou até seguranças que fazem ronda: afinal, os moradores do condomínio não querem morar em um bairro violento, e já estão dividindo os custos deste sistema mais sofisticado de segurança. Isso é mais difícil de ocorrer em bairros com residências separadas em que a comunidade tem de ser formada: quase sempre há moradores que não estão dispostos a pagar pela segurança, não vendo necessidade ou esperando que o resto dos moradores arque com a sua parte. Ainda mais, o monitoramento gravado pode ser tão eficaz quanto a vigilância natural dos transeuntes, mesmo ambos sendo falhos e necessitando de policiamento. Áreas muito movimentadas das cidades frequentemente são consideradas alvo não de assaltantes, mas de ladrões e batedores de carteira, e áreas apenas com monitoramento por câmeras podem (ainda) não ter a vigilância humana que aciona rapidamente o policiamento, mas tem a vantagem de ser 24h e gravado.

Este controle dos passantes e dos moradores também não funciona como esperado pelos urbanistas em bairros com residências unifamiliares - um ideal da Jane Jacobs para grandes cidades - sendo esta uma fraca justificativa para este tipo de bairro. O aumento da densidade provavelmente ajudaria nesta questão, mas não na forma de edifícios altos e isolados: o modelo muito provavelmente teria que seguir um semelhante ao tradicional europeu, de alta densidade com prédios de 5 ou 6 andares próximos a calçada (necessitando alta intervenção da parte dos urbanistas) ou ao de prédios altos justapostos, também criticados pelos arquitetos pela falta de condições de habitabilidade saudáveis.

O último problema seria a vantagem de assaltar casas com muros. Minha interpretação é de que existem bandidos que preferem assaltar casas com muros, pela invisibilidade após a invasão, e bandidos que preferem assaltar casas sem muros, pela facilidade de entrada. Estatísticas para ver quais são mais frequentes ou perigosos são difíceis de ser montadas: nos sobra apenas o senso comum e a observação empírica. A minha opinião é de que existe um número consideravelmente maior de bandidos que preferem assaltar casas sem muros, sendo os assaltos a casas com muros provavelmente alvos de quadrilhas e grupos de assalto organizado. As pessoas acabam preferindo, na maioria das vezes, construir muros e diminuir bastante a frequência alta de um risco baixo e aumentar um pouco a frequência baixa de um risco alto.

Sendo assim, apesar dos arquitetos e urbanistas serem bem intencionados ao contrariarem os condomínios fechados ou até mesmo as casas muradas, focando na segurança e na qualidade do espaço urbano, não vejo uma política que a defenda eficaz ou bem justificada, sendo preferível deixar isto a critério de cada morador. Me parece que, na visão de maioria dos urbanistas, existe um “modelo” de cidade que deve ser seguido e que senão as pessoas não serão felizes, não levando em consideração que existem centenas de milhares de pessoas hoje vivendo felizes em condomínios fechados e casas muradas, cada um conforme suas preferências. Acreditar que o mundo seria melhor se todos seguissem este modelo não passa de utopia.

-

The most condemned urban construction or organization in the academic scope of architecture is with no doubt the gated community. A gated community may be either horizontal (houses) or vertical (buildings), being a fenced or walled group of dwellers, also may times sharing services such as sports courts, restaurantes and even schools. The main criticism is that it isolates people from the rest of the city, the so called "denial of the city", creating a private space where people would not have the sense of community when connected to the city. The walls would also make the outside streets more dangerous, as the natural surveillance of the dwellers would'nt exist. Another problem would be and ever more dangerous problem to these dwellers, where burglars would be invisible to the eyes of the outside world after passing through the barriers built to prevent his way in.

However, I think that if isolationism and the creation of walls is a bad thing, building a wall in a single-family house is much worse than a gated community. The name already says it: people live in a community interacting among themselves, dividing security and service costs and organizing the community issues which would not happen in a isolated houses. If architects and urban planners want to criticize isolationism, they should focus on single-family dwellers who decided to build a wall to protect themselves.

The problem of services existing inside gated communities such as restaurantes and schools, facilitating the life of the dwellers, is not an acusation that should be taken so much in consideration as the security one. If it is to be a target of criticism, so should every delivey service used by almost everyone in the world these days, which allows consumers to stay in their houses and “segregate” themselves from the rest of the city. But in the matter of security, before implementing policies against the supposed isolationism, we should justify them: how do we know if the neighbourhood of a gated community or with walled single-family houses would be safer if all walles were to be razed to the ground?

Today’s gated communities most times have a CCTV system which also monitors the outside world and security guards who patrol the outside neighbouring streets: after all, the dwellers of the gated communities want to live in a saftety neighbourhood and they are already dividing the costs of this more sophisticated security system. This is harder to occur in neighbourhoods with separate houses where community must be established: almost always there are a few people who don’t want to pay their share, not seeing the necessity for it or just waiting for the rest of the dwellers cover their part. Even more, recorded monitoring may be as efficient as the natural suveillance of the people passing by, both being incomplete and needing regular policing. Crowded city areas are not a frequent target for burglars, who use coercion to act, but of robbers, who steal without ones notice, and camera monitoring may (still) not have the human surveillance which instantly calls the police, but it has the advantage of being 24h and recorded.

This survaillance of the crowd and dwellers also does not work as expected by urban planners in single-family home neighbourhoods – the Jane Jacobs ideal for large cities – being a weak defense for this kind of neighbourhood. Higher density would probably help in this matter, but not in the form of isolated large buildings: the model would probably need to be similar to the traditional european, high density buildings with 5 or 6 floors right on the sidewalk (needing high urban planning to occur) or large buildings close to eachother, also criticized by architects for the lack of good living conditions.

The last problem would be the advantage of robbing houses with walls. My interpretation is that there are burglars who prefer robbing houses with walls, because of the invisibility after the invasion, and burglars who prefer robbing houses with no walls, because of the easy way in. Statistics to see which ones are more frequent or dangerous are hard to build: we are left with common sense and empirical observation. My opinion is that there is a considerably larger number of burglars who prefer robbing houses with no walls, leaving houses with walls to organized crime gangs. People end up preferring, most of the times, building up walls and lowering a lot a high frequency low risk and increasing a little a low frequency high risk.

So despite the good intentions of architects and urban planners on being against gated communities or even walled houses, focusing on security and good quality urban spaces, I don’t see a policy defending it efficient or even justifiable, preferring to leave these decisions to each person. It seems to me that in the vision of most urban planners there is a city “model” which must be followed and if not people won’t be happy, not taking into consideration the hundreds of thousands of people who are happily living today in gated communities and walled houses, each one according to his own preference. Believing that the world would be a better place if everyone followed this model is nothing but utopian.

2 comentários:

  1. Gabriel W.L4/8/11 5:53 PM

    Apesar de entender a análise pelo viés liberal discordo de algumas partes.

    Acho que a discussão sobre os condomínios fechados não pode se restringir somente sobre a segurança, pensando URBANISTICAMENTE.

    Imagine numa cidade com um numero considerável de condomínios fechados. Essa segregação compulsória acabaria com os 'encontros' (caí no 'clichê' de Jane Jacobs, mas faz parte) que existem na cidade, nada de novo seria gerado, nenhuma outra solução (pra qualquer problema) seria proposto.

    Considero esse tipo de condomínio propostas pouco criativas, além de não ser uma solução pra segurança. Além de que acabam sendo espaços monotonos em vários sentidos (arquitetura por exemplo), gerando uma 'pequena cidade' pouquissimo interessante.

    ResponderExcluir
  2. Gabriel,

    Apesar de ser um fã da Jane Jacobs pela noção incrível que ela tem da ordem espontânea das ações urbanas, devo dizer que tanto na parte de segurança como de interações urbanas muita coisa mudou desde a popularização da comunicação à distância - telefonia e internet. Maioria da interação que fazemos hoje em dia não exige um encontro urbano - veja o exemplo de nós dois tendo esta discussão, onde ideias novas com certeza estão sendo geradas.

    Não esqueça também que qualquer prédio também é um condomínio fechado, assim como um conjunto de prédios, das mais variadas formas e tamanhos possíveis. O problema é o preconceito contra a noção de condomínio fechado e da forma que ele pode ter, que não é necessariamente monóntona nem diminuidora de interação.

    ResponderExcluir