28.3.11

Calatrava, o ego subvencionado / Calatrava, the subsidized ego


Tradução de artigo de Braulio García Jaén para o jornal espanhol Público, com grande semelhança ao que está acontecendo no Brasil, principalmete no projeto carioca da Cidade da Música, de Herzog & de Meuron Christian de Portzamparc.

Foto: Calatrava, no museu de Ciências Príncipe Felipe. - EFE


Calatrava, o ego subvencionado
Suas obras não atendem nem seus orçamentos nem as necessidades dos cidadãos

"A epidemia ornamental se subvenciona com o dinheiro do Estado". A frase do arquiteto austríaco Adolf Loos, autor de Ornamento e Delito (Gustavo Gili), um artigo em que ele denunciava a rebuscada estética vienense que no início do século passado se tornou livre de qualquer obrigação funcional, é válida hoje para descrever muitas cidades espanholas que querem tocar o céu das mãos do arquiteto estrela.

O melhor exemplo desse gosto pela arquitetura icônica, que não atende seus orçamentos nem ao uso que os cidadãos farão de seus edifícios, é Santiago Calatrava (Benimamet, 1951). Os seis edifícios da Cidade das Artes e Ciências em Valência, que originalmente eram três e tinham um orçamento de 175 milhões de euros, já custaram mais de 1.2 bilhões de euros, e a obra ainda não está terminada. Em Illes Balears, se a alternância política não impedisse, as curvas brancas de seus edifícios também teriam adornado Palma. Agora seu projeto Teatro da Ópera paira sobre a cabeça do ex-presidente balear, Jaume Matas (PP), acusado de desvio de fundos e liberado sob fiança de 1,6 milhões de euros só por esse assunto. Enquanto isso, Calatrava cobrou os 1,2 milhões que custou o anteprojeto que não será executado. "Queríamos ter um Calatrava", declarou o próprio Matas para justificar sua política.

"Quando se contrata para esse tipo de obra, cuja vocação é a excelência icônica e não a excelência funcional, se entra em um terreno perigoso para o controle público", afirma a Publico o crítico Llàtzer Moix, autor de Arquitetura Milagrosa (Anagrama), um livro que há um ano adiantava o que só agora chega aos periódicos. Além da Cidade das Artes, Calatrava construiu duas pontes (a de Nou d'Octubre e a de Assut de l'Or) e o presidente da Generalitat, Francisco Camps, declarou que esperava "impacientemente" novas propostas de Calatrava. "Tanta empatia levou a uma situação um tanto inédita: já não é o cliente que pede as obras, mas o arquiteto que as propõe e seu cliente as aceita, encantado", acrescenta Moix a este jornal.

O preço da beleza
Em Bilbao, duas obras assinadas por Calatrava trouxeram problemas derivados de essa arquitetura do espetáuculo que parece não pensar no cidadão. A primeira seria a ponte em Zubizuri, que o Ajuntamento teve que "adicionar" uma passarela para facilitar o trânsito dos pedestres, uma utilidade pública que o arquiteto questionou na Audiência Provincial. Finalmente, o Ajuntamento da cidade foi condenado a pagá-lo 30.000 euros: a passarela violava, segunda a sentença, o direito à integridade intelectual de sua obra. O Ajuntamento também teve que instalar mais uma lona para que os pedestres não escorreguem ao pisar nos azulejos quando a chuva os molha. A área de chegadas do novo terminal do aeroporto da cidade, aberta para a rua e para as chuvas da cidade, também teve que ser modificada e coberta de vidro. Que depois de tantas "correções" Calatrava teria assinado também a reforma do hall, inaugurado há um mês, podia parecer estranho.

A dificuldade de materializar esses desenhos também carrega sobrecustos que, no caso de Calatrava, se tornaram a marca do escritório. O projeto de um terminal para o Ground Zero em Nova Iorque, cujas obras seguem paradas, passaram de U$2 bilhões a U$3.2 bilhões antes de sair do papel. "É um dos que propõe uma obra mais chamativa, mas seus custos não são precisamente os mais baratos do mercado", diz Moix. "Um monumento ao ego criativo do Sr. Calatrava", dizia o ao passado ao New York Times.

"Calatrava define estruturas tão complexas que logo geram problemas difíceis de gerenciar", explica Joan Olmos, professor de Urbanismo da Universidade de Valencia. O fato de que muitos de seus desenhos surgem a partir de ideias que surgiram primeiro como esculturas complicam a sua materialização. Mas há quem aprecia o valor artístico apesar do custo. "Seus edifícios se tornaram monumentos em todas as cidades em que estão", afirma o professor Manuel Blanco Lage, membro do jurado que lhe deu o Prêmio Nacional de Arquitetura em 2005.

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Translated from Braulio García Jaén's article for spanish newspaper Público, resembling what is happening in Brasil, specially on Rio's Cidade da Música, by Herzog & de Meuron Christian de Portzamparc

Calatrava, the subsidized ego
His works don't attend neither his budgets nor the use of the citizens

"The ornamental epidemic is subsidized with the money of the State". The quote from austrian architect Adolf Loos' "Ornament and Crime" (Gustavo Gili), an article in which he denounced the farfetched vienese aesthetics that in early 20th century became free of any functional obligation, is valid today to describe many spanish cities wanting to touch the sky of starchitects' hands.

The best example of this taste for iconic architecture, which doesn't meet their budgets or the needs of the citizens which will use the buildings, is Santiago Calatrava (Benimamet, 1951). The six buldings of the City of Arts and Sciences in Valencia, which originally were three and had a budget of 175 million euros, have already cost more than 1.2 billion euros, and the work is still not finished. In Illes Baleares, if political alternation had not prevented it, his buildings' white curves would also have adorned Palma. Now his project for the Opera Theatre hovers over balear ex-president Jaume Mata's head, indicted of embezzlement and released on a 1.6 million euro bail for this charge only. In the meantime, Calatrava charged the 1,2 million for the draft design which will not be executed. "We wanted a Calatrava", declared Matas himself justifying his policy.

"When hiring for this kind of work, which goal is iconic excellence and not functional excellence, we enter in a dangerous terrain for public control", says critic Llàtzer Moix to Publico. He is the author of Arquitetura Milagrosa (Anagrama), a book which a year ago advanced the topic which became news only today. Besides the City of Arts, Calatrava has built two bridges (in Nou d'Octubre and in Assut de l'Or) and the president of the Generalitat, Francisco Camps, declared that he waited "impatiently" for new proposals by Calatrava. "So much empathy brought us to a situation never seen before: the client doesn't order the projects anymore, but rather the architect proposes them with great acceptance by his client", adds Moix to this journal.

The price of beauty
In Bilbao, two works signed by Calatrava brought problems from this spectacle architecture which seems not to care for citizens. The first one would be Zubizuri bridge, where the municipality had to "add" a walkway to facilitate pedestrian traffic, a public utility questioned by the architect on the province gathering. Finally, the municipality was condemed to pay him 30.000 euros: according to the sentence, the walkway violated his right to the design's integrity. The municipality also has to install a canopy so pedetrians would not slip on the tiles when raining. The arrival area of the city's new terminal, open to the street and to rain, also had to be modified and covered with glass. After so many "corrections", it could sound strange that Calatrava had also signed the hall's refurbishment, which opened a month ago.

The trouble in materializing these designs also carrys extras that, in Calatrava's case, have become his office's hallmark. The terminal project for Ground Zero in New York, with a still paralyzed construction site, have gone from U$2 billion to U$3.2 billion before leaving Calatrava's desk. "He proposes the most striking works, but his costs are not precisely the cheapest in the market", says Moix. "A monument to Mr. Calatrava's creative ego", he said last year to the New York Times.

"Calatrava defines structures so complex that they soon create problems hard to deal with", explains Joan Olmos, professor of Urbanism at the University of Valencia. The fact that many of his drawings arise from a sculpture idea complicates their execution. But there are some who appreciate the artistic value despite the cost. "His buildings became monuments in every city they were built", says professor Manuel Blanco Lage, member of the jury that gave him the National Architecture prize in 2005.

2 comentários:

  1. somente uma correção: o projeto da Cidade da Música no Rio de Janeiro é autoria de Christian de Portzamparc, e não do escritório Herzog & de Meuron.

    muito bom o blog, parabéns

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  2. ollag, obrigado pelo comentário! já corrigi o artigo.

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