Espaço Público
Quando aqui falo espaço público o faço em um conceito urbanístico, e não político ou econômico: é um espaço onde qualquer pessoa tem acesso livre e que também pode se tornar um importante ponto de encontro e convívio de uma sociedade. Lojas podem ser descritas como públicas, apesar de serem de origem privada. Praças e parques construídas com investimento privado, já citadas neste blog aqui e aqui, também seriam referências de espaços públicos.
Gentrificação
A palavra acima é desconhecida por muitos. Existem várias teorias que se aprofundam no estudo de gentrificação, mas ela quer dizer basicamente o fenômeno em que ocorre uma grande migração de moradores para reabitar uma área urbana degradada. Um dos exemplos mais usados para tal seria o nascimento de o que hoje conhecemos como SoHo, em Manhattan, que até o final da década de 70 era uma zona industrial abandonada e perigosa, que foi então lentamente ocupada por estúdios de artistas e pequenos empreendedores. Com a migração desse grupo culturalmente influente e que também atraía consumidores da arte e dos serviços, o bairro hoje é vibrante e tem algumas das propriedades mais cobiçadas da ilha, sem contar as lojas e restaurantes dos mais variados tipos, desde grifes caras até o comércio de ambulantes.
Antevisão é uma das maiores qualidades de um empreendedor, e para abrir um negócio no Centro Histórico de Porto Alegre, um bairro que apesar de ser movimentado durante o dia é encarado com hostilidade por maioria dos moradores da cidade - principalmente durante a noite, quando fica deserto - é um risco enorme para o sucesso de uma casa noturna como a Club688. Gabriel Rezende, um dos sócios da SlashSlash, explica que durante seis meses ele vasculhou o bairro a pé para achar o terreno ideal para a abertura da boate. As vias permitem entrada e saída fácil do Centro, que tem um emaranhado de ruas de mão única, já existia um estacionamento em frente e na cobertura se tem uma vista para o Guaíba, o lago esquecido pelos portoalegrenses.
Pequenas ações podem desencadear grandes mudanças, e é assim que eu vejo a abertura da Club688 no Centro de onde eu cresci. A casa toca desde rock a música eletrônica, passando por indie e pop, atraindo gente de todo tipo. Contribuindo fortemente para um cenário que agrega tribos underground e pop, (que também poderia ser dito do Complex) já abre sendo frequentada pelos culturalmente influentes da cidade, assim como aqueles que curaram a doença urbana do SoHo. Você pode pensar: "Vamos lá, é só uma boate", mas são justamente nessas pequenas atividades que urbanistas começaram a prestar atenção após a análise feita pela Jane Jacobs sobre o que dá vida à grandes cidades, registrado no célebre "Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas", criticando a visão de que cidades crescem somente a partir de grandes empreendimentos. Assim, pode-se dizer que ambos estabelecimentos criados pela SlashSlash são verdadeiros trendsetters para a cidade, já que abrem o caminho para que outros empreendedores possam continuar uma possível onda de transformação urbana e cultural.
Porém, o processo de empreender não é fácil e muitas vezes falha se não existe um ambiente propício para que isso aconteça. Tanto o Complex quanto o Club688 quase deixaram de existir devido às regulações hiperrestritivas criadas pelos inúmeros órgãos da Prefeitura de Porto Alegre que devem ser visitados para aprovar novas obras (desde Registro de Imóveis à SMAM, SMOV, SPMA, etc.) e do tempo e incerteza de todo processo de aprovação, provocando custos enormes para a operação. Urbanistas subestimam a capacidade de empreendedores em criarem equipamentos e espaços interessantes para a cidade ou até, pior ainda, mantém o dogma de que eles só querem tirar proveito do investimento público para forrarem o bolso, justificando ainda mais barreiras de entrada no mercado arquitetônico. O que não se entende é que as coisas funcionam justamente da forma contrária: a regulação é tão restritiva que impede novas ideias e conceitos florescerem, fazendo com que cidades com grande potencial como Porto Alegre se tornem monótonas e alvo de reclamações de seus moradores. Nesse ambiente normalmente surgem corporações que não empreendem nem inovam, mas que fazem acordos (muitas vezes de forma corrupta) com os burocratas para construir, o que gera os monstros e as distorções urbanas que normalmente são criticadas pelos urbanistas. Empresários inovadores são então colocados no mesmo saco dos corporativistas e acabam levando culpa quando não deviam. Felizmente a SlashSlash venceu essas barreiras de forma justa e criativa, merecendo uma bela parte do mérito pela transformação de Porto Alegre.
Foto: Complex e Club688, disponíveis no Facebook
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A few months ago two new projects opened in Porto Alegre, Complex and Club688. Both ventured by SlashSlash, producer of MECA Festival (bringing us Two Door Cinema Club), have positive urban results for the city, usually criticized by not having many entertainement attractions.
Public Space
When talking about public space I mean it in an urban sense, not in a political or economic one: it is a place where everyone has open access and that can also become an important meeting and interaction point in a society. Stores can be described as public, although they have private origins. Parks and squares built with private investment, already mentioned in this blog here and here, would also be references of public spaces.
So Complex is hard to describe. It's not a square, it's not a restaurant, it's not a store and it's not a bar, but it's a bit of each one of these things. What marks the atmosphere of this place are the three skate bowls, which divide the horizon with the view of the city, as the terrain is on a hilltop. The covered area surrounds the open space, with interconnected and accessible areas. Users can sit at the bar, at a table in the restaurant, visit the store or even hang out next to the bowls, watching the skaters in action. Open all day, Complex has a controlled access, but it's free and does not discriminate, having customers from all social backgrounds. These interact mainly through the common interest in skateboarding, which not long ago has stopped being marginal and has become a respected sport. This mixed-use space can be labled inside the concept of a public space created through entrepreneurship, as it presents every aspect for it and having become an important interaction place in the city. The idea that a private entrepreneur could create such an establishment looked to many utopian and impracticable, but in practice Complex is a success.
Gentrification
The word above is unknown by many. There are many theories going deep into the study of gentrification, but it basically means the phenomenon when a large migration of dwellers reoccupy a degraded urban area. One of the most famous examples for this would be the birth of what we know today as Manhattan's SoHo, which until the end of the 70's was a abandoned and dangerous industrial area, which was then being slowly occupied by artists' studios and small entrepreneurs. With the migration of this culturally influent group which also attracted consumers to this art and these services, the neihbourhood today is vibrant and has some of the most highly valued real-estate in the island, not to mention a huge selection of stores and restaurants, from top brands to street vendors.
Foresight is one of the best qualities in an entrepreneur, and opening a business in Porto Alegre's Historical Downtown area, a neighbourhood which despite being busy during the day is regarded with hostility by residents - mainly at night when it becomes deserted - is a huge risk for the success of a night club like Club688. Gabriel Rezende, one of SlashSlash's partners, explains he strip-searched the neighbourhood by food during six months to find the perfect spot to open the club. Streets provide a ease entry and exit from Downtown, which has a maze of one-way streets, there already was a parking lot in front and from the top deck one can catch a view of the Guaíba, the lake forgotten by portoalegrenses.
Small actions can unleash great changes, and this is the way I see the opening of Club688 in the Downtown of where I grew up. The house plays from rock to electronic, going through indie and pop, attracting all kinds of people. Strongly contributing to the scene by mixing different tribes (which also could be said about Complex) already opened with attendance of the culturally influent, such as those who cured SoHo's urban illness. Now you're thinking: "C'mon, it's only a night club", but it's in this kind of small activities that urbanists started paying attention to after the analysis by Jane Jacobs on what gives life to great cities, registered in the celebrated "Death and Life of Great American Cities", criticizing the view that cities only grow incentivized by large urban interventions. So one can say that both establishments created by SlashSlash are true trendsetters for the city, as they open the way for other entrepreneurs to continue a possible wave of cultural and urban transformation.
Nevertheless, the process of entrepreneurship is not easy and many times fails if there isn't a certain environment for it to happen. Complex and Club688 almost failed to exist due to excessive regulation created by the numerous departments of the City Hall that must be visited in order to approve new ventures and the extended time and uncertainty of the whole approval process, creating enormous costs for the operation. Urbanists underestimate the capacity of entrepreneurs in creating interesting spaces and equipments for the city or, even worse, maintain the dogma that they only want to make profit of public investment to fill their pockets, justifying even more barriers of entry to the architectural market. What is not understood is that things work the other way around: regulation is so restrictive that it stops news ideas and concepts from flourishing, making cities with great potential such as Porto Alegre become monotonous and targets of complaints by their residents. In this situation it is normal to appear corporations that don't innovate but that make deals (many times in a corruptly) with bureaucrats in order to build, generating the monsters and urban distortions which are usually criticizes by urbanists. Innovative businessmen are put in the same category as corporatists and end up taking blame when they shouldn't. Fortunately SlashSlash overcame these barriers in a just and creative way, deserving good credit for Porto Alegre's transformation.
Photos: Complex and Club688, available on Facebook
Playboy, soh "empreende" porque tem origem, nao porque tenha mérito. nada de mais... casa que cobra 30,00 pra entrada, pra cidade é que nao é o "empreendimento". musica obvia, gente obvia, nada adianta estrutura, se o prato principal é o comum, ou seja, a musica.
ResponderExcluir@Anonymous, não entendi o seu comentário sobre origem. Empreender para mim é qualquer pessoa que tenha uma ideia inovadora que atenda uma demanda da sociedade, qualquer esta seja, que pra mim merece grande mérito. Não sei qual a origem dos empreendedores destes negócios citados, mas garanto há exemplos de empreendedores de todas as origens, é só pesquisar.
ResponderExcluirO valor do negócio para a cidade está no processo de gentrificação que ele desencadea, explicitado no texto. Salas de cinema, música, teatros, passeios de barco, mercados, cafés, lojas, cursos - todos podem contribuir para a cidade e para o Centro, mesmo normalmente cobrando taxas de uso, não achas?
Também não entendi o que é "música óbvia". Terias algum exemplo de uma música não óbvia?
Que ideia inovadora existe em abrir uma boate? hhahahhaha...
ResponderExcluirE sobre musica obvia, se tu ta perguntando, nem preciso responder..
Boa sorte com teus párias privilegiados pelo sistema.
Outra coisa, a questao da origem é quem determina a incisividade de um investidor em fazer determinada ação ou nao. Se vc tem somente o seu capital, muitas vezes emprestado junto alguma grande instituição e nada mais, nehuma familia de apoio, nenhum bem de apoio, e outro investidor com apoio de pai, mãe, grana no banco, herança, garantia de alternativa caso dê errado o "empreedimento", me diga, quem é o empreendedor disto de fato???
ideia inovadora???? desculpe, isso nao existe a mais de de 20 anos, hoje em dia tudo se copia.
assim como o club em questao, o tal de 688, nao tem nada de inovador, cobra caro por um serviço comum em qq cidade do globo, e nao tem muito tempo de vida, porque as pessoas nao sao tao bobas como se pensa que são.
sds
@Anonymous, posso estar desinformado (não costumo frequentar casas noturnas), mas eu não conheço outra boate no Centro de Porto Alegre que atraia gente de fora do Centro. Isso, pra mim, é inovador suficiente!
ResponderExcluirPorque não precisas responder minha pergunta? Não entendi também se é bom ou ruim a música ser óbvia (ou não óbvia)... Me deixaste um pouco confuso :)
Quanto à questão do empreendedorismo, devo dizer que discordo de ti. O que determina a atração ou não de investidores não é a origem do empreendedor, mas sim a qualidade da ideia em questão, e se a ideia realmente atende demandas sociais. O empreendedor pode ser alguém sem centavo algum no bolso, mas com uma boa ideia convencer qualquer um a investir na sua ideia.
Sobre o tempo de vida da boate concordo que é difícil se manter por muito tempo. Em POA esse tipo de negócio se sustenta muito por modismos... Mas eu acho que seria ótimo se ele conseguisse sim se sustentar, atraindo cada vez mais gente ao Centro, para que o bairro seja valorizado novamente.
Obrigado pela leitura e pelos comentários!
Estas bem desinformado mesmo, tem a Madam Exceed Yourserlf, na Washington Luiz que abriu bem antes desta club 688.
ResponderExcluirLogico que comercialmente é boa a musica ser obvia, que acredito ser esta a proposta da casa, e logicamente se é bom comercialmente é ruim artisticamente.
Empreender pra mim é eu ter a grana e fazer a coisa funcionar, nao falo de grupo de investidores, entao, com origem, tudo funciona mais facil, vc tem de onde tirar, tem como remendar caso precise, bem simples, nao é uma questao de ideia, e sim de operação. A ideia pode ser boa, mas se nao tiver aporte de grana por tras, e administradores de segunda, a coisa nao rola, nao adianta.
O centro de porto alegre seguirá lindo como sempre foi com ou sem a club 688, inumeras vezes passei na rua ao lado para pegar meu onibus no tempo que morava na periferia, e com certeza preferia o vazio do que ver aquelas luzes e gente fora do contexto preenchendo aquele "vazio"...
O centro definitivamente será mais bonito quando as pessoas perderem o preconceito e o estigma equivocado que tem sobre o mesmo, e nao por ações isoladas e sem eficácia ou vinculo como essa.
Vou indo que amanha eu trabalho, quanto aos "empreendedores", ja nao se sabe.. hehehe
sds
@Anonymous, fico feliz em saber de mais lugares desta natureza no Centro, com certeza vou ir atrás e mencionar no blog quando for oportuno! Sendo assim concordo contigo que a ideia não foi tão inovadora, e espero que a Madam Exceed Yourself atraia ainda mais gente.
ResponderExcluirQuanto à música não entendi muito bem a relação feita... Se pessoas estão dispostas a pagar mais pela música quer dizer que a música é artisticamente pior? Pra mim arte é algo muito pessoal, e cabe a cada um de nós dizer se algo é valioso ou não artisticamente pra nós mesmos, independente de sucesso comercial ou não.
Talvez nós estamos apenas discordando no significado da palavra empreender, então. Para mim, empreender é ter a ideia do negócio e fazer ela acontecer, podendo captar recursos de investidores externos. No meu conceito não é necessário o empreendedor ter a grana dele na jogada, apesar de isso acontecer algumas vezes. De resto estou de acordo... Até nem se tiver a grana E a ideia boa, me parece necessário os 3: grana+ideia+administração.
O Centro estar vazio significa que pouca gente está valorizando a sua beleza, que concordo contigo que continua da maneira que está. O que eu quis dizer no post é que isso é um catalisador para que as pessoas despertem e voltem a valorizá-lo. Para mim é triste ver algo que eu considero belo sendo esquecido.
Concordo 100% contigo com a perda do preconceito pelo Centro! Só me parece que tu mesmo, que entendi como um habitante ou frequentador do Centro, tem preconceito com aqueles que estão perdendo este preconceito, taxando-os de fora de contexto e sendo hostil a sua presença, ao invés de ver o lado positivo e possivelmente transformador como tentei ao escrever este post.
Também trabalho amanhã, mas arquiteto dorme pouco mesmo... De empreendedor não tenho nada! :)
Abraço!
Gostei muito da forma como conduziste estes contrapontos, desculpe se me pareci hostil nas minhas colocações, nao tenho nada contra tua pessoa, é que as vezes me empolgo.
ResponderExcluirAbraços
@Anonymous, tranquilo cara! Eu que agradeço a troca de ideias e pontos de vista... Escrevo justamente pra gerar momentos como esse!
ResponderExcluirAbraço!
@Anonymous
ResponderExcluirO Club 688 (seus proprietários, na verdade) foi inovador ao ousar abrir uma boate de alto nível em um ponto insólito, dominado por botecos bagaceiros e puteiros mais ainda.
Acho que quem gosta do Centro de Porto Alegria deveria ficar feliz com iniciativas que acabam trazendo mais gente a essa área subvalorizada da cidade em um horário em que a área é muito pouco movimentada. Além de dar mais segurança aos transeuntes habituais, traz a oportunidade de outros empreendedores saírem ganhando com o movimento da casa.