24.4.12

Urbanized: Uma Crítica / A Critique


Há pouco assisti o documentário "Urbanized", do diretor Gary Hustwit, o mesmo cara que fez "Helvetica" e "Objectified". Nesse último filme ele mostra o design na sua maior escala: a cidade. Posso dizer que é um ótimo filme pra quem se interessa no tema, e eu também posso afirmar que as ideias lançadas formam justamente a visão mainstream do urbanismo atual. São as ideias e opiniões que maioria dos jovens arquitetos, urbanistas e entusiastas por cidades escrevem, debatem, compartilham no Facebook ou no Twitter.

Esta situação me deixa feliz já que concordo com grande parte dessas ideias, que de cem anos para cá foram de um planejamento autoritário e centralizado para um mais voluntário e descentralizado, apesar de ainda não estar sendo implementado com toda força. No Brasil ainda se fala em alargamento de avenidas e grandes projetos estatais envolvendo desapropriações, limites rígidos de densidade, segregação de usos e obrigatoriedade de estacionamentos em novas construções. Mas com certeza a mudança virá em breve dada a opinião dos jovens de hoje que tomarão as decisões de amanhã. Isso também de deixa feliz porque me ajuda a focar nos assuntos tratados neste blog. Não escrevo aqui com o mesmo objetivo do Urbanized, tentando mostrar quais são as ideias vigentes, mas sim para criticar o que eu acredito ainda estar errado ou impreciso com o planejamento de hoje.

Maioria das minhas críticas às ideias do filme já foram discutidas de forma aprofundada em posts anteriores, deixando aqui um resumo direcionado ao que foi retratado no filme. Ainda, não necessariamente uma crítica mas um comentário detalhado sobre a negligência na preservação de patrimônios históricos mostrada no filme através do projeto Stuttgart 21, terá um artigo próprio em seguida.

De qualquer forma, um dos primeiros tópicos é o trânsito, onde o filme mostra o BRT colombiano como um sucesso definitivo. Claro que eu concordo que o BRT pode melhorar o trânsito em algumas cidades, mas há problemas regulatórios mais fundamentais e prioritários para ser resolvidos, não tendo custos de infraestrutura envolvidos e não correndo o risco de não ter escolhido a melhor tecnologia para a cidade. O problema do transporte tem vários fatores geradores: regras de planejamento que priorizam os carros, retratadas aqui, aqui e aqui, a oferta gratuita das ruas aos motoristas e a restrição de empreender e competir com os transportes coletivos existentes, já que é preciso de uma licença especial para transporte de pessoas. Apesar de serem questão muito mais relevantes para a questão do trânsito do que uma única possibilidade entre muitas, nada disso se comentou no filme.

Quanto às favelas, o filme as retrata como se o mercado de construção civil simplesmente não quisesse construir para os pobres, atendendo apenas as demandas dos ricos. O que não é dito é o mercado de construção civil deve seguir regras rígidas de construção muito acima da qualidade de habitação média das favelas, praticamente proibindo o atendimento desses possíveis clientes, como já foi comentado aqui. Além disso, também devem construir dentro de limitações de densidade e altura, que limitam a oferta de espaço em um centro urbano e torna o metro quadrado construído mais caro. O filme também não fala é que maioria das favelas ocupam terras do estado, que se nega a regularizar corretamente as comunidades, incluindo-as no mercado e permitindo a entrada de capital privado para a melhoria destes bairros. O tema da regularização fundiária é fundamental quando se fala em moradia informal, assunto aprofundado neste artigo.

Meu último comentário é em relação ao planejamento "de baixo para cima" mostrado no filme e amplamente aceito por urbanistas de hoje. O que se vê hoje como uma participação de todos na cidade é quando os planejadores fazem pesquisas e sondagens de quais são os interesses da população para depois realizá-los. Para urbanistas isso seria fugir do planejamento autoritário do passado e atender as demandas do povo. Porém, como já comentei antes, a participação através das pesquisas de opinião para bens públicos refletem com pouca precisão quais são os interesses das pessoas. O filme retrata isso claramente, mas infelizmente (e de forma um tanto cômica) mostra a imprecisão como algo positivo: quando uma artista coloca adesivos em casas abandonadas que perguntam o que as pessoas gostariam que tivesse naquele local, aparecem respostas como "ninfomaníacas com doutorado", claramente revelando que quando o cidadão não tem nada ou muito pouco a perder na pesquisa ele não transmitirá uma informação precisa. Este assunto foi tratado quando falei sobre o conceito de Urbanismo Colaborativo 2.0, um mecanismo para corrigir esta imperfeição.

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I've recently watched the "Urbanized" documentary by director Gary Hustwit, the same guy who did "Helvetica" and "Objectified". In this latest movie he shows design in its largest scale: the city. I can say it is a great movie for those interested in the theme, and I can also affirm that the ideas showed are the mainstream view of todays urbanism. They are the same ideas and opinions from young architects, urbanists and city enthusiasts who write, debate and share on Facebook or Twitter.

This situation makes me happy as in the last hundred years these ideas have gone from an authoritarian and centralized planning to a more voluntary decentralized one, despite still not being fully enforced. In Brazil people still talk about widening boulevards and large state projects with eminent domain, rigid density limits, zoning and mandatory parking minimuns in new construction. But certainly change will come as the opinion of young people of today will make the decisions of tomorrow. This also makes me happy because it helps me to focus on topics covered in this blog. I don't write with the same goal as Urbanized, trying to show what are the current ideas, but to criticize what I think is still wrong with todays planning.

Most of my criticism towards the ideas in the movie were throrouhly discussed in previous posts, so here I will give a condensed version related to what was portrayed in the movie. Still, not necessarily a critique but a detailed comment on why historical buildings are undervalued, discussed by showing the Stuttgart 21 project in the movie, will have its own article soon.

Nevertheless, one of the first topics is traffic, where the movie shows the colombian BRT as a major success. Of course I aggree that the BRT can make traffic better in some cities, but there are more prioritary and fundamental regulatory problems to be addressed, not having infrastructure costs and not having the risk of not picking the best technology for the city. The problem with traffic has many generators: planning rules that put cars first, where I wrote about here, here and here, the free cost of roads to drivers an the restriction of competing with existing cabs and transit, as one needs special license to transport people. Despite being much more relevant to the traffic issue than just one possibility amongst many, none of these were displayed in the movie.

As to favelas, or shantytowns, the movie portrays the housing market as it simply doesn't want to build for the poor, only attending the demand of the rich. What is not said is that the building sector must follow strict building codes and quality standards high above the average shanty, practically forbidding builders to attend these possible clients, as I have commented here. Besides, they also have to build within density and height limits, which limit the offer of space in city centers and makes built square feet more expensive. The movie also doesn't say that the majority of shantytowns occupy state-owned land, which refuses to correctly formalize these communities, bringing them into the market and permitting the entry of private capital to enhance these neighbourhoods. The topic is fundamental when addressing issues of informal properties, already discussed here in this article on land formalization.

My last comment is related to the "bottom-up" planning portrayed in the movie, and generally accepted by urbanists today. What is seen today as a social participation in the city is when planners do research and surveys of what people want and then act upon this information. To urbanists this would be an escape from the authoritarian planning of the past and attending the desires of the population. However, as I have argued before, the participation through opinion surveys on public issues badly reflect true interests of the people. The movie even shows this, but unfortunately (and in a rather funny way) shows the imprecision as something positive: when an artist puts up stickers throughout abandoned houses asking people what they would like on that space answers such as "nymphomaniacs with PhDs" show up, clearly revealing that when a citizen has nothing or very little to lose he won't give good information. This was talked about on my article on Collaborative Urbanism 2.0, a mechanism to correct this imprecision.

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