24.9.12

Revivendo o Centro abandonado / Reviving the Abandoned Downtown

"Esqueleto urbano" na Praça XV, em Porto Alegre
Centro: odiado por muitos, amado por poucos, onde muitos trabalham e poucos moram, onde sujeira, pixações e propagandas ilegais escondem uma cidade perdida. Por que saímos do Centro, e quando voltaremos?

Em São Paulo, de 1970 a 2000, os principais bairros da Zona Central perderam praticamente metade de sua população, tornando-se uma região predominantemente de comércio, abandonada à noite na falta de gente suficiente para se apropriar, ou tomar conta, do espaço público. Estima-se que há 40.000 imóveis encontram-se abandonados só na região da Administração Regional da Sé, uma região totalmente equipada com infraestrutura, serviços públicos e um comércio movimentadíssimo durante o dia.

Essa mesma falência se repete nas principais metrópoles brasileiras: No Centro do Rio de Janeiro, 39 edifícios já apresentam risco de desabamento. Em Porto Alegre, sejam casarões na Duque de Caxias ou prédios altos na Praça XV, não faltam exemplos de construções abandonadas no Centro Histórico. São múltiplos os motivos que levaram as pessoas a saírem, que se retroalimentam c degradação espacial: saída de moradores de rendas mais altas, os habitantes e frequentadores do "passado romântico" desses bairros em busca de lares menos barulhentos e mais espaçosos (subsidiados pela infraestrutura voltada para automóveis e regulamentações anti-densidade e anti-usos mistos em bairros selecionados); degradação dos imóveis com o tempo, aumentando gradualmente o custo de manutenção e adaptação à tecnologias modernas; aluguéis e condomínios altos demais para moradores de baixa renda; aumento de taxas de criminalidade (principalmente furtos de celulares e carteiras). No caso do Rio de Janeiro, uma das causas foi uma decisão dos "técnicos", que proibiram a moradia em boa parte do Centro por decreto de 1974 até 1994.

Mas mesmo com os preços baixos, o mercado de construção civil age com cautela e lentidão para reinvestir na área. Por que a inércia?

Como primeiro motivo é de se notar que vários dos prédios abandonados são do próprio estado, sem perspectivas de investimento privado. Ao invés de tentar criar ou expandir órgãos apenas como justificativa para ocupá-los, uma alternativa para estes edifícios seria leiloá-los abertamente, arrecadando o máximo possível para o poder público e reinvestindo na sociedade e, ao mesmo tempo, incentivando o comprador a tomar uma decisão responsável com o patrimônio adquirido.

Logo em seguida estão os prédios tombados, construções legalmente protegidas por serem consideradas parte do patrimônio histórico da cidade, estado, país ou mundo. Entretanto, como já comentei em post anterior, o tombamento de um edifício normalmente é um tiro que sai pela culatra. Vários edifícios são largados às moscas justamente pelas barreiras a adaptação e pelos altos custos de manutenção exigidos. As regras procuram preservar a história mas infelizmente criam resultados opostos. É possível considerar ainda que alguns destes edifícios, pelo número de restrições estabelecidas pelo tombamento, são mais públicos do que privados, já que o direito de propriedade sobre o bem é muito fraco.





Edifício da Companhia Nacional de Tecidos: em vias de ser recuperado após entraves legais, ocupações, dívidas e denúncias de corrupção (Fonte: G1)


Assim como os tombamentos, a cobrança do IPTU também é uma política que tem grandes chances de surtar efeitos justamente contrários aos que foram propostos, sendo no caso evitar a ociosidade de terrenos. O que acontece basicamente são dívidas milionárias de IPTU atrelados a esses imóveis, na maioria das vezes de proprietários que perderiam tudo caso tivessem que arcar com os custos e que ao mesmo tempo afugentam construtoras a comprar as propriedades já que teriam que quitar a dívida para empreender um projeto sério. Segundo o site Edifícios Abandonados, alguns exemplos no centro de São Paulo, como os edifícios Prestes Maia e Mauá, ultrapassam R$2 milhões a pagar. Uma alternativa para este problema seria descontá-los do IPTU como um incentivo à sua reocupação, colocando-o novamente atrativo para investidores, o que parece ter acontecido no caso do prédio da antiga Companhia Nacional de Tecidos, em São Paulo. A regra vigente de desapropriação sob pagamento de títulos de dívida pública acaba sendo pior já que coloca o destino da propriedade nas mãos de grupos políticos, muitas vezes dando continuidade ao abandono ou tendo seu uso mal alocado, já que decisões públicas tem poucos incentivos para serem eficazes.

Por fim, há alguns edifícios que já estão nas mãos de investidores privados, mas que esperam o momento certo para reformá-los. Sim, esta é a chamada "especulação imobiliária", mal vista porém incompreendida por maioria das pessoas, e no entanto provavelmente uma das alternativas mais realistas para reocupar os centros. A lógica é simples: se estes investidores realizarem as obras muito cedo poucos compradores podem aparecer, que além de gerar uma grande perda econômica os edifícios continuarão vazios. Por outro lado, se demorarem demais o custo do investimento (dinheiro que poderia render juros em uma aconta bancária) cresce e pressiona o investidor a realizar o projeto. Ele tem, assim, bons incentivos para identificar quais são as maiores demandas e quando será o momento perfeito de agir.

Apesar de lento, é este caminho que fez a Zona Central de São Paulo ser a região que mais cresceu nos últimos 10 anos, revertendo o cenário dos 30 anos anteriores. Poucos sabem, mas ela ganhou neste período 63 mil habitantes, representando um aumento de 13,3%. As reformas são graduais, primeiro por aqueles atraídos aos custos baixos e à proximidade ao trabalho, e assim 60 mil metros quadrados do Centro de São Paulo já foram reformados nos últimos anos, com uma tendência parece continuar. Porto Alegre também vê este movimento, que hoje reverte a tendência de emigração que durou de 1980 a 2005, onde o Centro Histórico perdeu um terço de sua população.



Mas investidores ainda enfrentam outros custos e riscos para seguirem em frente, normalmente gerados pelos planejadores municipais: além das dívidas de IPTU, ainda há regras que como a obrigação de criação de vagas de garagem, a limitação do potencial construtivo e um períodos intermináveis para aprovação de projetos, aumentando o risco dos projetos e o custo do m² construído. Qualquer edificação tombada ainda possui uma "área de influência", que restringe o que é construído no seu entorno, e por serem antigos nossos centros estão repletos destas áreas de influência.

A questão da segurança pública também é uma variável não controlada pela iniciativa privada, principalmente no tangente ao violento tráfico de drogas - um desafio importante para a reurbanização do Centro no caso de São Paulo, já que é lá que está instalada a chamada "Cracolândia". Como já escreveu o urbanista Stephen Smith, "a guerra às drogas é uma guerra às cidades", e a regularização das drogas proibidas, desconectando-as das atividades criminais, deve ser seriamente avaliada a nível nacional.

Mas as prefeituras não teriam parte do mérito nesta reocupação, já que fazem investimentos em grandes projetos e na recuperação deste patrimônio tombado? Em Porto Alegre, o programa Monumenta pretende investir R$21 milhões, já o Procentro paulistano, R$184 milhões. Mas analisando a situação como um todo, fica clara a atitude paradoxal dos políticos, criando dificuldades em uma ponta para mostrar serviço em outra. Assim como os projetos a nível federal, megaprojetos empreendidos e financiados pelo estado dão mais votos, já que eleitores "vêem para onde está indo o dinheiro", diferente de políticas que gradualmente permitem um desenvolvimento natural da região. Ainda, as empresas que participam das empreitadas estatais, recebendo empréstimos especiais e garantias politicas, acabam não correndo o risco que deveriam, servindo apenas como um braço articulador mais eficiente de uma política pública gerada por interesses políticos.

Projeto Cais Mauá, em Porto Alegre. Bom, mas não pra todos
Desconsiderando demandas reais de mercado, estes programas esquecem da alternativa de apenas reduzir os impostos e retirar regras que praticamente proibem a ocupação dos centros e levam ao encarecimento da construção, permitindo que cidadãos então independentes escolham o futuro do Centro consumindo projetos de ONGs e construtoras de forma responsável. Os programas estatais para reviverem áreas centrais mortas, por mais que possam parecer causas nobres, utilizam dinheiro público para tal e, na prática, se tornam uma redistribuição de renda inversa. Com um direcionamento artificial a certas causas há aumento também artificial no preço dos imóveis, sem que haja uma ocupação de moradores de baixa renda, que continuarão isolados nas periferias. Estes, ainda, provavelmente não se deslocarão por distâncias tão grandes até os centros para usufruir das atividades culturais "para todos", e possivelmente nem se interessarão pela característica da artes expostas. Se sabe que os maiores frequentadores da Pinacoteca de São Paulo, do MARGS em Porto Alegre, ou pessoas que tem a revitalização do patrimônio histórico da cidade como uma prioridade financeira não são os pobres da periferia, mas sim as elites das zonas centrais. Blogs e sites sobre movimentos sociais que lutam pela ocupação popular dos dos centros abandonados mostram claramente seu descontentamento com o caminho tomado pelos projetos de reurbanização de Porto Alegre, que não permitem uma gentrificação natural. Críticos da gentrificação, este processo de retomada das áreas antigas e abandonadas, dizem que ela "expulsa" os moradores pobres de suas casas com a valorização dos imóveis. Mas se eles possuem direito de propriedade e direito a negociar ou recusar as propostas de compra de seu imóvel não há expulsão mas apenas uma troca voluntária de interesses.

Mesmo com todos os problemas, fico otimista pelos Centros como espaço construído: com o tempo, deixarão de ser abandonados e voltarão a ter a vitalidade das gerações que passaram. No entanto, será um processo lento e distorcido, onde politicagem e falsos interesses serão manifestados, onde muitos serão injustiçados e onde as dores dos prejudicados ficarão escondidas sob as fachadas de uma cidade aparentemente renovada.

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Downtown: hated by many, loved by some, where many work and few live, where pollution, bad graffiti and illegal advertising hide a lost city. Why did we leave the center of our cities, and when are we going back?

In São Paulo, from 1970 to 2000, the main neighborhoods of the "Zona Central" lost nearly half their population, becoming a commercial area, abandoned at night lacking people to appropriate, or take care of, the public spaces. It is estimated that in the paulista Downtown, a region fully equiped with infrastructure, public services intense commerce during the day, there are more than 200 abandoned buildings in a 1,5mi radius.

This same negligence repeats itself in Brazil's largest metropolises: in Rio's Centro, 39 buildings are public hazards in risk of falling. In Porto Alegre, from old mansions on Av. Duque de Caxias or tall buildings at Praça XV, it's not hard to find derelict buildings at the Centro Histórico neighborhood. There are multiple causes of why people left these properties, that act upon themselves causing spatial abaondonement: fleeding rich residents, the inhabitants of Downtown's "romantic past" in search of quieter neihborhoods and bigger lawns (subsidized by auto-oriented infrastructure, anti-density and anti-mixed use regulations in selected zones); degradation of buildings with time, gradually increasing costs for maintenance and adaptation to new technologies; high rents for low wage earners; increase of crime levels (wallets and phones are regularly stolen). In case of Rio de Janeiro, one of the causes was by a "technical" decision, prohibiting residential use in most of the downtown area from 1974 to 1994.

But even with low prices, the building market acts cautiously and slowly to reinvest in the area. Why is it afraid?

At first one should notice that many of the abandoned buildings we find in these areas are state property, with no chances of receiving private investment. Instead of creating or expanding new agencies just as a reason to occupy them, one alternative for these buildings would be to openly auction them out, with the public sector receiving the largest sum possible to reinvest in society and, at the same time, incentivizing buyers to take responsible decisions with his new property. 

Next we see landmarked buildings, which are legally protected from alterations while considered a significant meaning for the city, state, country or even world. However, as I have already argued, landmarking buildings usually gives us bad results. Many buildings are abandoned because of the high maintenance costs demanded and legal restrictions for adaptation and retrofitting. Rules aim at saving history but end up creating opposite effects. One can even consider that some of these buildings are more public than private, as there are an astonishingly high number of restrictions on property.

Building taxes, the brazilian IPTU, which has also been covered in this blog, also ends up damaging downtowns. Just as landmarking, taxing buildings is also a policy that has great chances to surge opposite effects from what it was intended to, in this case avoiding lots from being abandoned. There are several buildings with millionaire tax debts attached to them, in most cases so high that the owners would lose everything if they had to pay them out, which also scares building companies from buying them as they would have to pay the debt in order to go ahead with a serious project. According to the website Edifícios Abandonados ("Abandoned Buildings"), a few examples in downtown São Paulo such as the Prestes Maia and the Mauá buildings have more than R$2 million payable. Today's rule of using eminent domain and paying the owners in public debt securities has worse outcomes as it puts the buildings fate in the hands of political groups, which many times leave the building abandoned or is misallocated as public decisions have little incentives to be effective.

At last, there are a few buildings which are already in the hands of private investors, which wait for the right moment to refurbish them. Yes, this is the so-called "speculation", viewed as "evil" or plainly misunderstood by most people, but which can be one of the most realistic options to occupy downtowns. The logic is simple: if these investors execute their projects too soon few buyers may appear, keeping the building empty while generating a huge economic loss. In the other hand, if they wait for too long the cost of the investment (money that could be earning interest in a bank account) grows and pressures the investor to go ahead with the project. He has, therefore, good incentives to identify what are the greatest demands and when is the perfect moment to act.

Despite being slow, this is the route that made São Paulo's Zona Central the region that grew the most in the last 10 years, reversing the scenario of the previous 30 years. Few are aware of this, but it gained in this period 63,000 new residents, an increase of 13%. Refurbishments are gradual, first by those attracted by low rents and proximity to work, and 60,000 sqm have already been transformed this way in the last few years, with a tendency that seems to continue. Porto Alegre has the same drive, which today reverses the emigration that last from 1980 to 2005, where the Centro Histórico lost a third of its population.

But investors still face other risks and costs to go ahead, usually generated by municipal planners: besides IPTU debts, there are still rules such as mandatory parking spaces for new buildings, FAR (Floor Area Ratio) limitations and endless approval stages to approve any given project, increasing investment risks and, therefore, floor prices. Landmarked buildings even have an "area of influence", restricting what is built around it, and as our downtowns are old they are filled with these areas of influence.

Public safety is also a variable uncontrolled by private investors, even less when issuing the subject of violent drug trade - an important challenge in the case of downtown São Paulo, as it is home of Cracolândia ("Crackland"). As urbanist Stephen Smith wrote, "the war on drugs is a war on cities", and the regulation of prohibited drugs, disconnecting them from criminal activity, should be seriously evaluated at national level.

But don't City Halls have a part in this re-occupation, as they are making large investments in huge projects and saving landmarked buildings? In Porto Alegre, the Monumenta program promises to invest R$21 million, the paulistano Procentro, R$184 million. But analyzing the situation as a whole one clearly sees a paradoxical attitude from politicians, creating difficulties in one end to show service in another. As in federal level projects, megaprojects undertaken and financed by the state get more votes, as voters "see where the money is going", instead of policies that gradually allow a natural development of a certain region. Still, companies participating in the state-driven goal, receiving special loans and political guarantees, end up market-risk-free, working only as an efficient executor of a public policy driven by political interests.


Se sabe que os maiores frequentadores da Pinacoteca de São Paulo, do MARGS em Porto Alegre, ou pessoas que tem a revitalização do patrimônio histórico da cidade como uma prioridade financeira não são os pobres da periferia, mas sim as elites das zonas centrais. 

Disregarding real market demands, these programs forget the alternative of merely reducing taxes and removing rules that nearly prohibit occupying downtowns and lead to an increase in building prices, allowing then independent citizens to choose their own future for Downtown consuming projects by NGOs and building companies in a responsible way. State programs to revive dead central areas, however much it may seem as a noble cause, use public funding to do so and, in practice, become a reverse redistribution program. Artificially directing funds to certain causes there is also an artificial increase in the prices of buildings, with no occupation by low-wage residents, who will remain isolated in the periferias, the cities' outer areas. Still, these people probably displace themselves dozens of miles to enjoy the cultural activities created "to all", and possibly won't even be interested in the art being exibited. It is known that the largest public inside São Paulo's Pinacoteca or Porto Alegre's MARGS, or people who have the revitilization of the heritage of a city as a financial priority aren't the poor in the periferias, but the central zone elites. Blogs and sites by social movements fighting for a popular occupation of abandoned downtowns clearly show their discontent with the path taken with Porto Alegre's reurbanization project, which don't allow for a natural gentrification. Critics of  gentrification, this process of retaking old abandoned areas, say that it "expells" poor dwellers from their homes with the increasing prices of their property. But if they have property rights and the right to negotiate or refuse buying proposals of their realty there isn't expulsion, just a voluntary exchange of interests.

Even with all problems involved, I'm optimistic for brazilian downtowns as a built environment: with time they will cease to be abandoned and will come back to having the vitality of past generations. Nevertheless, it will be a slow and distorted process, where political interests and fake demands will be manifested, where many will be wronged and where losers will be forgotten and hidden behind the facades of an apparently renovated city.

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