29.12.12

O papel dos arquitetos diante do mercado imobiliário

Na linha do artigo que escrevi para a ArchDaily no início do ano, abaixo um interessante texto de Eduardo Andrade de Carvalho, sócio da Moby Incorporadora, sobre o papel dos arquitetos diante do mercado imobiliário, publicado originalmente na Revista aU (link). A dica é de Eduardo VR.


O futuro dos edifícios residenciais e comerciais e o papel dos arquitetos em seu desenho
Por Eduardo Andrade de Carvalho

O mercado imobiliário brasileiro, desde meados dos anos 2000, está em boa fase. Foram lançadas no município de São Paulo, segundo a Embraesp, em estudo apresentado pelo Secovi-SP, 24,2 mil unidades residenciais por ano, em média, na primeira metade da década; de 2006 a 2010, essa mesma média subiu para 33,6 mil unidades. Ou seja: são 40% mais unidades residenciais por ano em São Paulo na segunda metade dos anos 2000, em comparação com a primeira. Com maior ou menor intensidade, o fenômeno se repetiu pelo País.

O mercado imobiliário costuma ser conservador e em geral é muito prático com relação à arquitetura. Não foi - ou não está sendo - diferente nesse período de expansão. Existem alguns motivos. Um empreendimento imobiliário é um negócio de capital intensivo, submetido a uma regulamentação complexa e que corre contra o tempo. Um pequeno erro no projeto pode inviabilizar uma obra; a interpretação errada da legislação pode atrasá-la indefinidamente. O incorporador precisa controlar todos os riscos do projeto que desenvolve: e uma forma de controlar riscos é centralizar trabalhos terceirizados em fornecedores com experiência no ramo e em que confia.

Isso foi o que aconteceu, de certa forma, com os projetos arquitetônicos contratados pelas incorporadoras nesse período. Antes de 2006, quando essa retomada começou, alguns arquitetos já estavam acostumados a atender o mercado imobiliário: entendiam a legislação, tinham uma equipe organizada e relativamente grande, conheciam pessoalmente os donos das construtoras. Ou seja: supostamente estavam mais bem preparados para atender as incorporadoras, que não paravam de crescer. Em alguns escritórios, foram montadas praticamente linhas de produção de projetos, que se repetiam e se espalharam por cidades como São Paulo.

O volume do que o mercado imobiliário produziu nos últimos cinco anos foi alto; qualitativamente, porém, pouca coisa interessante apareceu. Viu-se muita fachada neoclássica nitidamente fora de escala, inclusive em empreendimentos de alto padrão; acabamentos se esforçando para parecer ser o que não são; muros enormes fechando ruas, que dessa forma tendem a ter problemas de segurança; para não falar em guaritas fora do lugar, vagas mal-distribuídas, detalhes mal- encaixados. O incorporador evitou alguns riscos; e outros problemas - não só estéticos - apareceram.

Estamos passando por um momento, acredito, de transição. Com empreendimentos prontos, está mais fácil separar a boa arquitetura do que foi feito sem cuidado, simplesmente para fazer volume, nesse período. Porque há exceções. Em um mercado dominado por produtos parecidos, com nomes parecidos, alguns incorporadores e arquitetos trabalharam para desenvolver projetos inteligentes, com senso estético e preocupação com o entorno. São empreendimentos que agora, prontos, são inclusive alugados ou vendidos por preços consideravelmente mais altos do que seus concorrentes.

Um bom exemplo é o Brascan Century Plaza, no Itaim, projetado por Königsberger Vannucchi, que abriu uma parte do terreno para a cidade, criou uma praça na região e é um sucesso comercialmente. Os dois empreendimentos Arte Arquitetura, do Rocco & Associdados, um no Itaim e outro nos Jardins, que abrigam, respectivamente, uma escultura dos Irmãos Campana e um painel do Antônio Peticov, são extremamente bem vendidos ou alugados hoje. E os edifícios incorporados pela Idea Zarvos/Movimento Um - que desenvolvem projetos com escritórios como Nitsche Arquitetos, Isay Weinfeld e FGMF - são concorridos nos lançamentos.

De um lado, portanto, parece que os clientes mais educados estão cansados de projetos fracos e repetidos - e estão dispostos a pagar mais por um projeto melhor pensado. De outro, uma nova geração de arquitetos brasileiros - muitos com passagens pelas melhores universidades e escritórios do mundo - está perdendo o preconceito com relação ao mercado imobiliário (que não é sinônimo de especulação imobiliária) e se dedica a entender como ele funciona. Um empreendimento economicamente rentável não precisa de um projeto fraco nem agressivo urbanisticamente. Aliás, é a cada dia mais inimigo deles.

Essa busca por melhores projetos arquitetônicos - tanto dos clientes quanto dos incorporadores - abre espaço para novos arquitetos atuarem no mercado imobiliário. Grandes arquitetos brasileiros se dedicaram por muito tempo a casas particulares, escolas, bibliotecas, museus, concursos etc. - e, porque o mercado parou nos anos de 1980 e 1990, fizeram poucos edifícios residenciais ou comerciais. E arquitetos que estão se formando recentemente às vezes não têm experiência suficiente para entender a dinâmica do trabalho para uma incorporadora, diferente do trabalho para um cliente particular ou para uma instituição pública.

É preciso que o arquiteto entenda, em primeiro lugar, que um empreendimento imobiliário não é exclusivamente um prédio: ele é - até juridicamente - uma empresa, e as suas unidades são produtos que serão vendidos. Um edifício desenvolvido por uma incorporadora precisa ser economicamente viável, se é possível dizer assim, em si mesmo. Uma escola, um museu ou um prédio público devem ser construídos dentro de um orçamento, mas não serão vendidos depois, por um preço que você ainda não sabe exatamente qual será para dezenas ou centenas de clientes ainda indefinidos. Mesmo uma sede de um banco ou de uma indústria não segue uma equação financeira tão delicada, porque geralmente têm uma finalidade institucional e não econômica.

Entender que um edifício desenvolvido por uma incorporadora precisa ser necessariamente viável do ponto de vista financeiro é, portanto, o primeiro passo para que o bom arquiteto estreite a conversa com o incorporador. A verdade, que às vezes dói, é que - como o skyline das maiores cidades brasileiras atesta - um edifício com excelente arquitetura pode deixar de ser construído por ser inviável financeiramente, mas certas aberrações arquitetônicas não deixaram de ser construídas se financeiramente fecharem a conta.

O arquiteto que trabalha ou pretende trabalhar com uma incorporadora precisa conhecer bem os preços dos materiais que recomenda e as suas opções; precisa se preocupar com a eficiência de todos os espaços do edifício, como térreo, plantas e garagem, considerando as possibilidades e as restrições da legislação; precisa compreender, enfim, que para cada decisão que toma existe - à parte de uma consequência, digamos, estética - uma consequência na estrutura de custos do projeto.

E, além do impacto das suas decisões na estrutura de custos do empreendimento, também é importante que o arquiteto entenda que as unidades derivadas do edifício projetado serão vendidas. Quer dizer: existe, do lado do incorporador - assim como acontece em qualquer outro mercado -, também uma preocupação comercial. Se, no local onde o edifício será construído, é improvável que exista demanda para um apartamento de, digamos, 1 milhão de reais, o espaço do apartamento - ou seja, o tamanho da sua planta - precisará ser adaptado a essa circunstância. Normalmente, o bom incorporador conhece o mercado em que atua suficientemente para orientar o arquiteto com certa precisão com relação ao produto mais vendável no terreno que está estudando. Uma torre de apartamentos de 100 m² pode ser desenhada de várias formas; mas, se o apartamento passar para 180 m², custará, para o cliente final, praticamente o dobro do que o de 100 m², e se corre o risco de inviabilizar comercialmente o empreendimento.

É muito comum que arquitetos e incorporadores trabalhem lado a lado no estudo de viabilidade de terrenos para incorporação. Um incorporador compra mais ou menos 1% dos terrenos que analisa. Essa análise passa por várias etapas: comercial, técnica, jurídica, financeira. Em determinado momento da negociação com o proprietário do terreno, o incorporador precisa de uma ideia mais detalhada do que - considerando a configuração do terreno, seu relevo, o zoneamento etc. -, ele consegue edificar no local. O resultado desse estudo de viabilidade arquitetônico vai ser subsídio para um estudo de viabilidade econômico-financeiro detalhado do empreendimento. Com a viabilidade econômico-financeira amparada, agora, por uma viabilidade arquitetônica mais profunda, o incorporador fica seguro em fazer uma proposta final ao proprietário do terreno.

Este trabalho de viabilidade arquitetônica do empreendimento é fundamental no relacionamento do incorporador com o arquiteto. Os escritórios de arquitetura acostumados a atender o mercado imobiliário têm equipes dedicadas a isso. O estudo do arquiteto é feito no risco, com o compromisso informal de que, caso o empreendimento evolua, o arquiteto que fez o estudo preliminar desenvolva o projeto. É raro o incorporador já ter comprado o terreno e, do zero, encomendar o projeto a um arquiteto específico. Assim como é raro, apesar de acontecer eventualmente, processos de concorrência para empreendimentos de incorporação.

De 2005 para cá, com algumas exceções, o mercado imobiliário brasileiro não se destacou por ter trabalhado ao lado dos melhores arquitetos brasileiros. Mas cada vez mais os clientes viajam, estudam e reconhecem o valor da boa arquitetura contemporânea - que tem novos e bons representantes no Brasil. Com o mercado em expansão, edifícios serão exigidos e construídos de qualquer forma. Que seja então da melhor forma.

Eduardo Andrade de Carvalho é sócio da Moby Incorporadora e administrador de empresas formado pela EAESP/FGV


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