A atual Secretária de Planejamento de São Paulo recentemente concedeu entrevista à Folha falando sobre o caso de Pinheirinho e o que ela chama de desenvolvimento urbano pautado pela lógica mercantil.
Em larga escala, concordo plenamente que as cidades brasileiras sempre foram definidas por essa parceria nefasta entre o público e o privado poderoso, mas acho que ela erra tremendamente ao apontar as principais causas e soluções para o caso. A situação nada tem a ver com o fato de trabalho e terra serem mercadoria, como ela comenta na entrevista, mas pela intervenção do estado neste mercado (o conceito de mercantilismo) já que é ele que usa a força e a coerção sobre o planejamento urbano, deixando-nos sem opção. Quanto ao mercado, nenhuma oferta comercial é irrecusável, apesar de usarmos o termo com certa frequência.
Ao criticar as relações de trocas, a Secretária esquece do papel do estado como o principal excluidor do pobre do mercado e ao seu direito à moradia. Como escrevi em uma postagem recente, "O estado não permite o usucapião de terras públicas, determina cerca de 1000 páginas de regras e normas para o cidadão construir sua própria casa, passando por mais de 10 secretarias, além de cobrar impostos e taxas. A construção na favela é crime e moradias para porta de saída da favelas são proibidas."
Assim, como que o peso da propriedade privada seria tão forte, se a propriedade é tão amplamente regulada e, neste caso, se moradores de favelas não tem direito à ele? Aliás, como defender coerentemente a regularização fundiária e o direito à moradia sem defender a propriedade privada ao mesmo tempo? Como dizer que os preços dos imóveis são pautados pelo mercado quando a oferta é limitada por leis que limitam severamente a construção nos centros? E ainda, como dizer que "Se o Estado não entra para reequilibrar o jogo, é um desastre" quando o papel dele sempre foi forte significativo no desenvolvimento urbano das nossas metrópoles? A conclusão de Leda Paulani fica ainda mais esquisita quando vejo que o desfecho comum das comunidades "informais" - favelas - é, justamente, a sua invasão e remoção por tropas do próprio estado, principalmente no caso Pinheirinho.
A lógica mercantil - no seu conceito original, de mercantilismo - deve sim ser quebrada, permitindo que os moradores de favelas finalmente tenham seu direito à propriedade e acabando com o conluio entre mercado imobiliário e estado, gerado unicamente pela captura regulatória sobre o setor. Se a entrada de novos concorrentes no mercado de construção fosse mais simples, pequenas incorporadoras poderiam ter sua vez de crescer, acabando com a dominação de grandes grupos comerciais. Por fim, se a interferência do estado no setor não fosse tão grande, seria irrelevante o investimento das empresas em alianças com o poder público, já que este em nada poderia ajudá-las. Seguir o caminho oposto, da fé na autoridade estatal ao considerá-lo uma entidade intrinsecamente justa, seria simplesmente ignorar os erros sistematicamente cometidos, independente se foi nesta ou na outra gestão.
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