Muitos de nós acreditamos na ideia de que ao construir viadutos, túneis e largas avenidas estamos desenvolvendo a cidade, preparando nossa infraestrutura para melhorar a situação do trânsito, cada vez pior. É uma lógica atraente e que sempre pareceu fazer sentido, mas que pede uma urgente reavaliação.
O contraponto empírico começa pela nossa própria cidade. Durante a ditadura construímos seis viadutos em apenas cinco anos. Passadas algumas décadas voltamos com a tendência, inaugurando a Terceira Perimetral em 2004. São Paulo teve experiência parecida e, repleta de viadutos, túneis e largas avenidas, é a sexta cidade com o pior trânsito do mundo, com congestionamentos atingindo 295km. Hoje Porto Alegre constrói mais viadutos e alarga avenidas. Não coincidentemente São Paulo e Porto Alegre são terríveis para se locomover, independente do meio de transporte.
É comum vermos apenas o efeito imediatista destas grandes obras: o aumento do fluxo de veículos. No entanto, elas prejudicam todos os demais modais de trânsito exceto o carro, a forma de locomoção que disparadamente ocupa mais espaço por pessoa. A área de abrangência destas obras torna um sacrifício a circulação a pé ou de bicicleta, dadas as grandes distâncias a serem percorridas sem atividades, o relevo artificial, as calçadas estreitas, o barulho e a poluição. Também diminui drasticamente a acessibilidade de paradas de ônibus e de metrô já que os usuários destes modais são, em última instância, também pedestres. Além disso, os custos milionários destas obras são socializados e, sendo oferecidas gratuitamente aos usuários finais, temos um clássico exemplo de "tragédia dos comuns", onde motoristas agindo racionalmente para beneficiarem-se das ruas acabam esgotando o recurso comum, criando longas filas para seu uso - congestionamentos. Assim, a partir da vontade de aumentar o fluxo de tráfego criando mais vias acabamos incentivando o uso de mais carros, com resultados contrários aos desejados no início.
Na verdade, aumentar o fluxo de tráfego nunca deve ser o objetivo final do planejamento: não queremos dirigir, mas sim chegar no nosso destino. Não percebemos, por exemplo, que as políticas sendo executadas destroem áreas de prédios e parques para construir ruas... para chegarmos em prédios e parques. Deveríamos focar nosso desenvolvimento na construção desses locais de destino, não locais de trânsito. Uma alternativa simples, com custo quase nulo para o poder público, seria permitir o adensamento dos nossos centros para que não precisemos mais nos deslocar para as periferias. Outra seria ver a nossa orla como um local de permanência ao invés de via de passagem, valorizando-a com empreendimentos como em qualquer orla verdadeiramente desenvolvida.
Junto ao CITE tive a oportunidade de ir para San Francisco com o objetivo de aprender exemplos que possam ser trazidos para Porto Alegre. Pude conversar com consultores de urbanismo, técnicos da Prefeitura, investidores em tecnologia urbana, incorporadores, blogueiros de urbanismo e cidadãos comuns. Todos eles, sem exceção, vêem a construção de viadutos e grandes avenidas como uma ideia ultrapassada. Lá, a demolição de dois viadutos que foram deteriorados após o grande terremoto de 1989 automaticamente revitalizou seus respectivos bairros, Embarcadero e Hayes Valley, que passaram de áreas degradadas aos endereços mais cobiçados da cidade. Em São Paulo, o Minhocão desvalorizou todos os imóveis na sua abrangência, degradando uma região que era repleta de cinemas e teatros, e hoje está marcado para demolição. Os San Franciscans aprenderam com um acidente da natureza, os paulistanos com seus erros do passado. Eles aceitaram a realidade em que, a longo prazo, cidades desvalorizam seus bairros e pioram sua mobilidade ao construir grandes obras de trânsito. Porto Alegre, por mais especial que seja, não será uma exceção.
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