19.3.12

Arquitetura, o Urbanismo quer o divórcio (e vice versa) / Architecture, Urbanism wants a divorce (and vice versa)

Maioria dos arquitetos brasileiros hoje sobrevivem fazendo reformas de interiores ou pequenas residências, irrelevantes em um contexto urbano. Imagino que deva ser algo que se replica mundialmente, uma vez que dois ou três arquitetos teriam condições de projetar, por exemplo, um prédio de 40 apartamentos, que por sua vez pode dar trabalho a no mínimo 40 arquitetos - ou mais considerando que mais de uma família more em cada apartamento durante a vida do edifício.

Porém, duas coisas impressionam no Brasil: a primeira é que o CREA (agora tornando-se CAU) só permite que reformas de interiores ocorramcom o projeto de um arquiteto (ou por um engenheiro, que por sua vez não contribui com o projeto mas sim com a execução), para grande tristeza e exclusão dos designers, já discutido neste artigo. Ao mesmo tempo, o CREA proíbe a existência de formandos somente em Arquitetura ou somente em Urbanismo, sendo pelo MEC todas as faculdades obrigatoriamente de Arquitetura e Urbanismo.

Pacote fechado: reforma de interiores por 0e1 Arquitetos e mapa do
Plano Diretor de São Paulo
Impressiona porque é bastante claro que o leque de conhecimento necessário para um urbanista difere da prática de grande maioria dos arquitetos. Estudar urbanismo é estudar coisas como economia, direito, sociologia e sistemas de transporte. Arquitetura, por outro lado, está claramente mais ligada ao estudo de materiais, forma, estética arte e construção. É estranho pensar que as regras vigentes exigam que um urbanista saiba como detalhar uma esquadria e que um arquiteto de interiores saiba detalhes sobre sistemas de transporte urbano. Os professores ainda ousam falar que Arquitetura e Urbanismo são exatamente a mesma coisa, "só muda a escala", como se fosse benéfico replicar os delírios modernistas de uma cidade em forma de avião. Não que eu prefira um ao outro: formalmente trabalho como arquiteto e, a partir deste blog, às vezes atuo como urbanista. O que não é tão comum, já que na própria faculdade desde o início já se percebe quem vai atuar em qual ramo.

Isso tampouco significa que não existam projetos que dependem tanto de um contexto urbano como de um rigor arquitetônico. Eles são de menor quantidade já que normalmente se trata de grandes empreendimentos públicos e/ou privados, e mesmo quando acontecem normalmente são formadas equipes especializadas mistas, como por exemplo a revitalização do Cais Mauá em Porto Alegre, de projeto urbanístico do escritório do Jaime Lerner e projeto arquitetônico dos espanhóis b720.

O estudante de Arquitetura e Urbanismo brasileiro de hoje então se forma despreparado em ambas disciplinas dada a tentativa de ser abrangente demais. "Mas é importante", dizem alguns. Ora, eu poderia argumentar que muitas outras coisas também são igualmente ou ainda mais importantes, tanto para arquitetura ou para urbanismo, como por exemplo técnicas construtivas e economia, respectivamente. No fim não estou dizendo que não podem existir cursos que ensinem ambos, mas sim que deveria existir maior liberdade dos alunos optarem pelo o que eles têm mais interesse, habilidade e condições financeiras.

A verdade é que a faculdade já é comprida demais, e não há maneira de estudar tudo que todos consideram importantes antes de começar a trabalhar. As faculdades de Arquitetura no Brasil normalmente tem o tempo mínimo de 5 anos para serem completadas. O normal é passar ainda mais tempo lá dentro, 6 anos e meio, 7 anos. Algumas faculdades, como a UFRGS, onde me formei, querem aumentar o mínimo para 6 anos. O que não se percebe é que quanto mais preparo é obrigatoriamente exigido para atuar, mais elitista será a profissão, já que pobre nenhum tem condições de ficar tanto tempo sem permissão de trabalhar.

Estou argumentando por algo simples: permitir que se possa estudar ora arquitetura, ora urbanismo, ora ambos. É a boa e velha divisão do trabalho e especialização de funções por meio de trocas, que segundo Matt Ridley, que de forma irônica chama de "ideias fazendo sexo", foi o que revolucionou todas as áreas do conhecimento humano. Que Arquitetura e Urbanismo possam ser as próximas.

-


Most brazilian architects today survive with interior refurbishments and small residences, irrelevant on an urban context. I would predict this would also happen elswhere, once two or three architects are capable of designing a building with 40 apartments, for example, which can give work to at least 40 architects - or more considering more than probably one family will live in this building during its existence. 

However, two things amaze me in Brazil: the first is that the CREA, now changing to CAU, (which regulates the profession, something like the AIA) only permits interior refurbishments with a supervision of an architect (or an engineer, but who contributes on the execution, not the design), to the sadness and exclusion of interior designers, already commented in this article, in need of a translation). At the same time, CREA fobids undergraduates only in Architecture or only in Urbanism, and by the MEC (Ministry of Education and Culture) every school must have Architecture and Urbanism together. 

It's amazing because it's pretty clear that the knowledge required for an urbanist is different from the practice of most architects. Studying urbanism is studying things like law, economics, sociology, politics and transport systems. Architecture, in the other hand, is clearly more connected with studying materials, form, aesthetics, art and building. It's wierd to think that our rules demand urbanists to know how to detail a window sill and interior architects intricate details of transportation systems. Not that I favor one or another: I formally work as an architect and, via this blog, sometimes act as an urbanist. Which is not that common, as in school since the beggining one can notice who is going to work in each field. 

This also does not mean that there aren't any projects that depend on both an urbanist as an architectural knowledge. They are usually less numbered as these are large private and/or public projects, and even when they occur mixed specialized teams are built, as with the example of the Cais Mauá revitalization in Porto Alegre, where Jaime Lerner's office did the urbanism and the spanish firm b720 did the architecture.

The brazilian Architecture and Urbanism student today then graduates unprepared in both fields with the attempt of being too broad. "But it is important", some would say. Well, I could argue that many other things are equally or even more important, for both Architecture and Urbanism, such as building techniques or economics, respectively. In the end I'm not saying there can't be schools who teach both, but that there should be more liberty for students to choose on what they have more interest, abilities or financial conditions.

The truth is that school already takes too long, and there is no way for anyone to study everything everyone thinks is important before starting to work. Architecture schools usually take 5 years as the minimum to finish. Usually students spend more time inside, six and a half years, even seven. Some schools like UFRGS, where I graduated, want to rise the minimum up to six years. What isn't noticed is that the more studying is legally required to be able to work more elitist this profession will be, as the poor aren't able to spend so much time without being able to work.

So I'm arguing for something simple: to allow studying just architecture, just urbanism or both. It's the good old division of labor and specialization of trades, which according to Matt Ridley, who ironically calls it "ideas having sex", is what revolutionized every area of human knowledge. May Architecture and Urbanism be the next ones.

2 comentários:

  1. Anthony, tenho batido nessa tecla incansavelmente desde que meu professor de planejamento urbano ministrou uma aula só sobre as dificuldades práticas de colocar planos de urbanismo em ação levando em conta o vasto leque de profissões disponíveis e necessários. Aqui em Montréal o sistema difere do que nós vivemos na ufrgs, com arquitetura e urbanismo sendo ensinado juntos e os professores insistindo na idéia de que não existe maneira de traçar uma linha divisória precisa entre as áreas de conhecimento. Durante essa aula, perguntei pro professor se não seria, então, mais fácil ensinar os dois programas juntos, ao que ele respondeu com um argumento muito semelhante com o teu sobre os delírios modernistas de uma cidade em forma de avião e sobre os planos que Le Corbusier fez pra Paris (ao que seguiu uma crítica um pouco ofensiva ao urbanismo brasileiro em geral). Isso até me pareceu justo como argumento, mas, olhando na prática, a divisão das duas áreas também cria alguns problemas. É uma das reclamações mais comuns e algo que eu percebi durante o meu primeiro semestre em Montréal o fato de que, no fim das contas, estudantes de arquitetura estão muito interessados em fazer prédios bonitos e funcionais (ignorando um pouco a idéia de contexto) e estudantes de urbanismo estão trancados no campo das regulamentações e decisões de cunho político (não se interessando muito em propor projetos). Isso acaba gerando ainda mais problemas na colocação em prática de projetos de arquitetura ou urbanismo, visto que arquitetos e urbanistas tem idéias bem diferentes do que é importante. Isso me fez pensar bastante sobre os nossos estudantes de arquitetura e urbanismo, e de como me agrada a idéia de que eu vejo muitos deles participando ativamente de movimentos dentro do PortoAlegre.cc ou nas passeatas do Massa Crítica. Esse tipo de movimento aqui é principalmente povoado pelos estudantes de arquitetura da paisagem, curso que nós estamos longe de ter pelo menos na ufrgs.
    Isso tudo só pra dizer que concordo contigo no que diz respeito ao tempo de formação (aqui são três anos de bacharelado + dois anos de mestrado, pra só então poder se tornar arquiteto ou urbanista) e que nós poderíamos ter algum tipo de sistema que desse uma base das duas áreas de conhecimento, mas também desse abertura para se especializar mais cedo. Mais ou menos da maneira como as engenharias já foram ensinadas na ufrgs: durante um ano se era simplesmente estudante de engenharia, e depois podia se escolher pra qual lado seguir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Guilherme, obrigado pelo comentário!
      Na verdade, não existe maneira de traçar uma linha divisória precisa entre nenhuma área de conhecimento. Nesse blog, por exemplo, se entrelaçam arquitetura, urbanismo, economia, direito, arte, cultura, moda, marketing, administração, política e até culinária. Poderia se estudar a arquitetura através do olhar da física, da matemática, ou da biologia, ao analisar estruturas formadas por outros seres vivos na natureza. Enfim, os argumentos dos teus professores, assim como de maioria dos que tem esta crença, não vêem o todo. Sempre é possível se especializar... O debate surge quando falamos em outros ramos que são bastante próximos, mas especilizados, como a sequencia medicina/odonto/farmácia/biomedicina/veterinária/fisioterapia/nutrição/educação física. Estes ramos tendem a se especializar cada vez mais, com profissionais cada vez mais qualificados em cada área.

      Quanto aos alunos de arquitetura dando opinião em questões urbanas, também acho bastante postiivo, mas normalmente eu os vejo como cidadãos interessados no assunto, já que o estudo de urbanismo propriamente dito no Brasil é muito fraco e os debates entre arquitetos acabam se distanciando pouco da uma opinião de leigos com espírito crítico. Como tu mesmo comentas, arquitetos acabam tendo uma visão bem diferente dos que planejam a cidade.

      Um grande abraço,
      Anthony

      Excluir