31.5.12

A temida greve da alimentação pública / The Dreaded Strike of Public Food

Hoje tive a honra de colaborar, juntamente com o economista Rodrigo Constantino, para um artigo do jornalista Leandro Narloch, autor do livro "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", publicado hoje na Folha de S. Paulo. Disponibilizo-o abaixo, na íntegra.

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Passageiros de ônibus e metrô fechando a Radial Leste
em protesto contra a greve do Metrô e CPTM (Fonte)
Depois de uma semana de greves de metrôs e ônibus pelo país, políticos e especialistas voltaram a repetir as opiniões de sempre.

Dizem que é preciso haver mais planejamento do poder público, que o governo precisa investir mais no transporte coletivo, que a mobilidade urbana deve ser prioridade etc.

Recomendações assim são como oferecer uísque a alcoólatras: o remédio que se receita é precisamente a causa do problema.

O que impede a melhoria do transporte não é a falta de cuidado do governo, e sim o monopólio público sobre o transporte coletivo. Para chegar a essa constatação, basta imaginar uma notícia comum nos últimos dias tratando de outro serviço essencial: a alimentação.

"A semana foi de muito transtorno para quem precisa se alimentar fora de casa. Greves de garçons e cozinheiros paralisaram os serviços de mais de 30 mil restaurantes, padarias e lanchonetes que formam o sistema de alimentação pública municipal. Os trabalhadores pedem aumento real e reajuste dos abonos salariais. Não houve acordo entre o governo e o sindicato até o fim da noite de ontem. Na capital, 6 milhões de pessoas utilizam diariamente o serviço de alimentação coletiva.

Todos os estabelecimentos que vendem comida pronta são operados sob concessão por apenas 16 consórcios e cooperativas. A prefeitura e o governo estadual supervisionam a distribuição dos prato feitos e comerciais, planejam o sistema e realizam os repasses para as concessionárias.

Sem ter a quem recorrer diante da paralisação dos serviços, usuários chegaram a depredar bares e restaurantes. Outros se arriscaram em lanchonetes clandestinas, aquelas que não foram escolhidas nas licitações do governo e por isso atuam à margem do sistema de abastecimento da cidade.

A prefeitura alerta que esses serviços, além de ilegais, trazem diversos riscos para os usuários. O sistema oficial, porém, é mal avaliado pelos cidadãos. Pesquisa recente mostra que o número total de queixas à prefeitura contra as comedorias saltou de 119.755, em 2010, para 143.901, em 2011. A demora no atendimento ficou em primeiro lugar entre as dez principais reclamações. Outras queixas comuns são o desrespeito dos garçons, a pouca variação do cardápio e a falta de limpeza nas instalações.

O prefeito prometeu ontem mais investimentos na área. 'Até 2013, esperamos reduzir para 40 minutos o tempo de espera para o almoço', disse. Ele negou que o aumento dos salários dos garçons e cozinheiros resulte em aumento da tarifa do prato feito, hoje em R$ 30.

O Ministério Público investiga supostos repasses ilegais da prefeitura a concessionárias, que fizeram expressivas doações de campanha na última eleição. Os promotores acreditam que esses repasses seriam o principal motivo para a comida custar tão caro mesmo sendo subsidiada pelo governo. Analistas afirmam que seria melhor que o governo deixasse para a iniciativa privada toda a venda de comida pronta. A concorrência entre padarias, botecos e restaurantes, argumentam eles, levaria diversidade e qualidade ao setor, atrairia a classe média e ainda baixaria o custo do serviço popular, como acontece em centenas de outros ramos da economia.

Para os analistas, a livre iniciativa e a concorrência poderiam até fazer a cidade ser mundialmente conhecida por seus restaurantes.

O sindicato dos garçons, a prefeitura, a associação das concessionárias, o Ministério Público e o governo estadual reagiram veementemente a essa proposta, que qualificaram de 'irresponsável e neoliberal'.

Para as entidades, a ausência do Estado na alimentação poderia resultar na falta de lanchonetes em áreas distantes, além do desabastecimento de comida na cidade. 'Se algum dia entregarmos o setor de restaurantes a empresários comprometidos apenas com o lucro, criaremos um completo caos', disse o prefeito."


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I had the honor to collaborate, with economist Rodrigo Constantino, for an article by journalist Leandro Narloch, author of "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" published today on Folha de S. Paulo. Here is the translated text.

After a week of strikes on the subway and bus systems all over the country, politicians and experts went back to endorsing their old opinions.

They say that we need more planning from the public sector, that the government needs to invest more in public transportation, that urban mobility must be priority, etc.

Such recommendations are like offering whisky to alcoholics: the medicine that is prescribed is precisely the cause of the problem.

What prevents the improvement of our transport system isn’t the carelessness of government, but the monopoly that it has over public transportation. To reach this conclusion, all we have to do is imagine what has been common news over the last days considering it as being about other essential service: food.


“The week has been of much trouble to those who need to feed outside of their homes. Strikes of waiters and cooks paralyzed services of more than 30 thousand restaurants, bakeries and cafeterias that form the municipal system of public food. The workers demand a real raise and the adjustment of salary bonuses. There has not been an agreement between the government and the unions until the end of last night. In the capital, 6 million people use this system daily.

All meal centers are being operated under government concession by only 16 joint ventures and cooperatives. The city and state governments supervise the distribution, plan the system and perform the transfers to the concessionaries.

With no one to turn to on face of the stoppage of the services, users came to vandalize bars and restaurants. Others prefer to risk themselves on underground cafeterias, establishments that haven’t been chosen by the government’s public tendering and, because of that, have to operate outside of the city’s food supply system.

The city hall warned that these services, in addition to being illegal, bring many risks to their users.

The official system, however, is poorly evaluated by citizens. Recent researches show that the total number of complaints to the city hall against meal centers have raised from 119.775, in 2010, to 143.901 in 2011.

The delay in serving was ranked first among the top ten complaints. Other common complaints are the disrespect from waiters, the menu’s little variation and the lack of cleanliness in the facilities.

The mayor promised yesterday more investments in the area. ‘By 2013 we hope to reduce to 40 minutes the wait time to get a meal’, he said. He denied that the raise on waiters and cooks wages might cause a raise on the meal’s price, today on $30.

The body of prosecutors investigate alleged illegal transfers of the city to the concessionaries who made substantial donations on the last electoral campaign. Prosecutors believe that these transfers would be the main reason for the food costing so much even though it is subsidized by the government.

Analysts say that it would be better if the government left the meal centers to be cared for by the private sector. The competition between bakeries, bars and restaurants, they say, would lead to diversity and quality on the sector, would attract the middle class and would lower the cost of the popular service, just as it happens in hundreds of other branches of the economy.

To these analysts, free market and competition would even be capable of making the city known worldwide because of its restaurants.

The waiters union, city hall, concessionaries association, prosecutors and estate government reacted strongly against this proposal, which they said was “irresponsible and neoliberal”.

To these entities, the absence of government on the feeding department could result in the absence of diners in distant places, in addition to the shortage of food in the city. ‘If one day we hand over the restaurant industry to entrepreneurs committed only with profit, we will create a complete chaos’, said the mayor.”


LEONARDO NARLOCH, 33, is a journalist and author of “Guia Politicamente Incorret da Hisótira do Brasil” (LeYa).

RODRIGO CONSTANTINO, 35, is an economist and author of “Economia do Indivíduo: o legado da Escola Austríaca” (Instituto Ludwig Von Mises Brasil).

ANTHONY LING, 26, is an architect and urbanist.


Translation by Thiago Alminhana

3 comentários:

  1. Muito bom Anthony! Outro dia tive uma conversa com um engenheiro da EPTC sobre a implantação do sistema integrado de onibus, BRT e metrô em porto alegre e acabei tocando no assunto de algumas concessionárias que operam linhas de poucos km, cobrando o mesmo preço para o usuário e mesmo assim oferecem ônibus desconfortáveis, lotados, não respeitam horários...
    A resposta foi que essas eram empresas familiares, concessões antigas, e que por isso talvez não fossem bem administradas - ou seja, falta concorrência mesmo!
    Infelizmente esse mesmo senhor deu a entender que não se podia fazer nada justamente por essas concessões serem antigas...
    Sem fiscalização e sem concorrências - uma vergonha.

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    1. Valeu, Waldo! Sim, o mercado de ônibus é fechado e não só não permite qualquer tipo de inovação por novos entrantes como, até onde eu saiba, as concessionárias são obrigadas a seguir o padrão estabelecido pela Carris...
      Eu fiz uma pergunta pro Serra e pra Manuela D'Ávila em um seminário que teve aqui em SP sobre urbanismo e eles se esquivaram da pergunta de uma forma um tanto irresponsável. Logo mais to postando sobre isso.
      Abraço!

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  2. Oi Anthony! Achei genial, parabéns!

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