No entanto, muitos livros nos contam histórias de cidades, outros pulam diretamente para receitas específicas de como corrigir um determinado problema urbano. Não são muitos os livros que mostram o que é uma cidade e como ela funciona. Nesta seleção, o leitor não só vai entender e amar as cidades, mas descobrir que elas são organismos tão incríveis e complexos longe de serem controladas por uma entidade, normalmente associada ao papel do urbanista. Essa leitura permite ao urbanista compreender seu papel como coadjuvante, delegando o controle da cidade para seus próprios cidadãos.
Nova York Delirante, Rem Koolhaas
“A disciplina bidimensional da retícula também cria uma liberdade jamais sonhada para a anarquia tridimensional. A retícula define um novo equilíbrio entre controle e descontrole, em que a cidade pode ser ao mesmo tempo ordenada e fluida, uma metrópole de rígido caos.”Rem Koolhaas, um dos arquitetos e urbanistas mais influentes da atualidade, nos conta a história de Manhattan, uma das cidades mais relevantes do mundo contemporâneo que teve uma forma muito singular de urbanização. Dentro do seu xadrez viário rígido, Manhattan permitiu a “anarquia tridimensional”, usando suas palavras, gerando o que o autor chama de “cultura da congestão”, uma condição da vida metropolitana que Manhattan conseguiu extrair ao máximo.
As regulações urbanas adotadas em Manhattan – além do grid – até a II GM eram ínfimas próximas às da atualidade, hoje uma cidade “comportada”. Mas o que aconteceu durante o século que Manhattan atraiu centenas de milhares de imigrantes buscando os céus para acomodá-los? De que forma se desenvolveu uma cidade livre, onde o urbanista sai da cena para abrir espaço aos arquitetos? “Nova Iorque Delirante” faz o leitor mais cético respeitar o “manhattanismo”, tornando-se mais aberto ao experimental, ao radical e a uma cultura da congestão.
Onde encontrar: Cosac Naify, Livraria Cultura
The Gated City, Ryan Avent (sem tradução para o português)
“The residents of America’s productive cities fear change in their neighborhoods and fight growth. In doing so they make their cities more expensive and less accessible to people with middle incomes.”Cidadãos urbanos normalmente gostam não só de imóveis mais baratos mas dos atrativos e atributos de que uma cidade é feita: possibilidades de emprego, lazer, educação e serviços de todo tipo. No entanto, sempre que surge a oportunidade de trazer essas características para a cidade – construindo novas unidades para acomodar mais gente – aqueles que moram próximo dessas construções normalmente fazem o possível para impedir sua execução.
A grande contribuição de Ryan Avent para a literatura de urbanismo com este pequeno livro (disponível apenas para Kindle) é mostrar como funciona o mercado imobiliário e quais os efeitos não intencionais de restrições de oferta à moradia. A ideia central é de que impedir a construção de mais unidades (ou “NIMBYism”, “Not in My BackYard”) torna as cidades cada vez mais parecidas com condomínios fechados, exclusiva à população de fora já que é impossível acomodar mais gente, uma “Cidade Cercada”, na tradução literal do título.
Onde encontrar: Amazon
The Voluntary City, edição de David T Beito, Peter Gordon, Alexander Tabarrok (sem tradução para o português)
“Developers were able to tailor the extent of their providing “public goods” via covenant to the nature and scope of local demand, as well as account for other factors such as land and building costs. This is in marked contrast to the rigidity and fixity of state attempts to supply these goods through public planning, zoning laws, and the like. The flexibility also extended to the enforcement of covenants. Landlords and developers would often not enforce the building clause in a lease when demand for land was slack, as long as the rent was paid.”
Este livro serve como um poderoso suporte histórico para a teoria de urbanismo emergente, ausente de um planejamento centralizado. O livro é um compêndio de textos que viajam pelo mundo mostrando diferentes experiências de urbanização emergente ou “voluntária”, explicando os benefícios e os problemas encontrados durante cada um dos processos. Os exemplos são de extrema utilidade para traçar paralelos à urbanização brasileira e, ainda, embasar ideias com exemplos reais.
Um dos meus artigos prediletos é o primeiro, “Laissez-faire Urban Planning”, por Stephen Davies. Ele traça o panorama histórico do crescimento de cidades britânicas e principalmente de Londres, uma das minhas cidades favoritas, que cresceram de forma descentralizada como uma sucessão de loteamentos, bairros privados e projetos arquitetônicos em várias escalas. Londres não só era ausente de um plano geral como muitos dos seus bairros com toda sua infraestrutura eram construídas na ausência do setor público, uma série de projetos privados de tudo quanto é tipo. Quem diria que o West End e Nottingham eram, na verdade, empreendimentos imobiliários?
Onde encontrar: Amazon e Livraria Cultura
Os Centros Urbanos: A maior invenção da humanidade, Edward Glaeser
Com este livro aprendemos que grande parte do sucesso da humanidade está nas grandes cidades, que nos tornam “mais ricos, inteligentes, saudáveis e felizes”, e não o contrário como muitos imaginam. No entanto, para que isso aconteça é necessário perder nossos medos irracionais relacionados ao adensamento, à verticalização e à urbanização propriamente dita para, enfim, permitir que a cidade aconteça. A clareza, eloquência e embasamento acadêmico de Glaeser torna “Triumph of the City” (seu título em inglês) uma leitura obrigatória para aqueles que estudam as cidades, e não tenho dúvidas de que ele se tornará um clássico no futuro.
Onde encontrar: Elsevier, Casas Bahia
Morte e Vida das Grandes Cidades, Jane Jacobs
Através dessas observações, Jacobs denuncia em linguagem direta e auto-didata como as grandes interferências autoritárias dos urbanistas nas cidades construindo viadutos, destruindo patrimônio histórico e bairros inteiros para construir guetos de habitação pública eram as principais causas dos problemas que as cidades estavam enfrentando. Jacobs era uma defensora de uma cidade mais espontânea, admirando no seu texto o crescimento orgânico das cidades antigas, a vida nas ruas, o “balé complexo”. Nesse sentido, o ponto focal de suas ideias se assemelha às do economista Friedrich Hayek, evidenciando a impossibilidade da compreensão e do controle de uma construção coletiva, descentralizada e complexa.
Vale apontar que ela não se considerava uma “liberal”, mas entendia e valorizava o funcionamento do mercado em quase todos aspectos da cidade, um processo emergente assim como uma cidade. Em entrevista à revista Reason ela colocou objetivamente que gostaria de ver maior liberdade no setor de transportes, restritos pelos monopólios de grandes ônibus, e na revitalização de bairros históricos, que muitas vezes ficam congelados por legislações nada relacionadas à preservação propriamente dita.No entanto, a sua convicção pela participação popular, sua luta pela preservação de bairros contra arranha-céus e suas críticas aos grandes projetos que se beneficiavam com subsídios públicos e desapropriações a tornou um símbolo de arquitetos, urbanistas e ativistas de ideologias de esquerda. Paradoxalmente sua obra incentivou novos movimentos que pregam o regramento e a autoridade na cidade – desde que ela seja a autoridade “certa”, como defende todo planejador. Muitos dos leitores de “Morte e Vida” interpretam as qualidades urbanas que ela descreve como normas para a elaboração de planos – incorporadas em grande parte no desenvolvimento do novo Plano Diretor de São Paulo, por exemplo. Ou seja, ao invés de abraçar a questão central das ideias de Jacobs de um urbanismo mais espontâneo e descentralizado, muitos hoje citam as qualidades urbanas evidenciadas por Jacobs para justificar diretrizes rígidas de planejamento que supostamente gerariam aquele resultado: taxidermia.
Onde encontrar: Martins Fontes, Livraria da Folha
Um dos meus artigos prediletos é o primeiro, “Laissez-faire Urban Planning”, por Stephen Davies. Ele traça o panorama histórico do crescimento de cidades britânicas e principalmente de Londres, uma das minhas cidades favoritas, que cresceram de forma descentralizada como uma sucessão de loteamentos, bairros privados e projetos arquitetônicos em várias escalas. Londres não só era ausente de um plano geral como muitos dos seus bairros com toda sua infraestrutura eram construídas na ausência do setor público, uma série de projetos privados de tudo quanto é tipo. Quem diria que o West End e Nottingham eram, na verdade, empreendimentos imobiliários?
Onde encontrar: Amazon e Livraria Cultura
Os Centros Urbanos: A maior invenção da humanidade, Edward Glaeser
“A força que advém da colaboração humana é a verdade central por trás do sucesso da civilização e o principal motivo da existência de cidades. Para entender melhor as cidades e o que fazer com elas, precisamos nos apegar a essas verdades e nos desfazer de mitos prejudiciais. Precisamos descartar a visão de que o ambientalismo significa viver ao redor de árvores e que os urbanistas devem sempre lutar para preservar o passado físico da cidade. Precisamos parar de idealizar a casa própria que favorece loteamentos de casas nos subúrbios, em detrimento dos edifícios de apartamentos, e parar de romantizar as vilas rurais. Devemos evitar a visão simplistas de que a melhor comunicação a longa distância reduzirá nosso desejo e nossa necessidade de estar perto uns dos outros. Acima de tudo, devemos nos libertar de nossa tendência de ver as cidades como sendo suas edificações e lembrar que a cidade real é constituída de gente e não de concreto.”Best-seller do New York Times, com este livro Ed Glaeser se tornou uma das maiores referências vivas do urbanismo contemporâneo e um dos meus urbanistas prediletos. Através de uma viagem pelas principais cidades do planeta, Glaeser quebra lendas urbanas que normalmente impedem a urbanização, respondendo questões controversas como “O que há de tão bom sobre os arranha-céus?” e “Não há nada mais ecológico que o asfalto?” com respostas embasadas, elegantes e, no fim, mais pragmáticas que controversas.
Com este livro aprendemos que grande parte do sucesso da humanidade está nas grandes cidades, que nos tornam “mais ricos, inteligentes, saudáveis e felizes”, e não o contrário como muitos imaginam. No entanto, para que isso aconteça é necessário perder nossos medos irracionais relacionados ao adensamento, à verticalização e à urbanização propriamente dita para, enfim, permitir que a cidade aconteça. A clareza, eloquência e embasamento acadêmico de Glaeser torna “Triumph of the City” (seu título em inglês) uma leitura obrigatória para aqueles que estudam as cidades, e não tenho dúvidas de que ele se tornará um clássico no futuro.
Onde encontrar: Elsevier, Casas Bahia
Morte e Vida das Grandes Cidades, Jane Jacobs
“Tratar de uma cidade, ou mesmo de um bairro, como se fosse um grande problema arquitetônico, capaz de ser resolvido através de um trabalho disciplinado de arte, é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte. Os resultados de tão profunda confusão entre arte e vida não são nem arte, nem vida. Eles são taxidermia.”Este livro é, sem dúvida, um dos livros mais influentes da história do urbanismo e o mais influente no pensamento contemporâneo sobre cidades. Jane Jacobs, uma jornalista canadense morando em Nova Iorque, mostra seu entendimento sobre grandes cidades através das suas próprias observações e vivências urbanas, tornando-se a maior crítica do planejamento urbano modernista do início do século XX, de representantes como Lúcio Costa, Le Corbusier ou Robert Moses.
Através dessas observações, Jacobs denuncia em linguagem direta e auto-didata como as grandes interferências autoritárias dos urbanistas nas cidades construindo viadutos, destruindo patrimônio histórico e bairros inteiros para construir guetos de habitação pública eram as principais causas dos problemas que as cidades estavam enfrentando. Jacobs era uma defensora de uma cidade mais espontânea, admirando no seu texto o crescimento orgânico das cidades antigas, a vida nas ruas, o “balé complexo”. Nesse sentido, o ponto focal de suas ideias se assemelha às do economista Friedrich Hayek, evidenciando a impossibilidade da compreensão e do controle de uma construção coletiva, descentralizada e complexa.
Vale apontar que ela não se considerava uma “liberal”, mas entendia e valorizava o funcionamento do mercado em quase todos aspectos da cidade, um processo emergente assim como uma cidade. Em entrevista à revista Reason ela colocou objetivamente que gostaria de ver maior liberdade no setor de transportes, restritos pelos monopólios de grandes ônibus, e na revitalização de bairros históricos, que muitas vezes ficam congelados por legislações nada relacionadas à preservação propriamente dita.No entanto, a sua convicção pela participação popular, sua luta pela preservação de bairros contra arranha-céus e suas críticas aos grandes projetos que se beneficiavam com subsídios públicos e desapropriações a tornou um símbolo de arquitetos, urbanistas e ativistas de ideologias de esquerda. Paradoxalmente sua obra incentivou novos movimentos que pregam o regramento e a autoridade na cidade – desde que ela seja a autoridade “certa”, como defende todo planejador. Muitos dos leitores de “Morte e Vida” interpretam as qualidades urbanas que ela descreve como normas para a elaboração de planos – incorporadas em grande parte no desenvolvimento do novo Plano Diretor de São Paulo, por exemplo. Ou seja, ao invés de abraçar a questão central das ideias de Jacobs de um urbanismo mais espontâneo e descentralizado, muitos hoje citam as qualidades urbanas evidenciadas por Jacobs para justificar diretrizes rígidas de planejamento que supostamente gerariam aquele resultado: taxidermia.
Onde encontrar: Martins Fontes, Livraria da Folha
Boas dicas, embora nada seja tão simples assim. Veja esta análise sobre The Gated City, de Ryan Avent:
ResponderExcluir"Cidadãos urbanos normalmente gostam não só de imóveis mais baratos mas dos atrativos e atributos de que uma cidade é feita: possibilidades de emprego, lazer, educação e serviços de todo tipo. No entanto, sempre que surge a oportunidade de trazer essas características para a cidade – construindo novas unidades para acomodar mais gente – aqueles que moram próximo dessas construções normalmente fazem o possível para impedir sua execução.
"A grande contribuição de Ryan Avent para a literatura de urbanismo com este pequeno livro (disponível apenas para Kindle) é mostrar como funciona o mercado imobiliário e quais os efeitos não intencionais de restrições de oferta à moradia. A ideia central é de que impedir a construção de mais unidades (ou “NIMBYism”, “Not in My BackYard”) torna as cidades cada vez mais parecidas com condomínios fechados, exclusiva à população de fora já que é impossível acomodar mais gente, uma “Cidade Cercada”, na tradução literal do título."
É lícito comprar um produto que passa a ser adulterado com o tempo sem que haja aviso prévio disto acontecer? Quando se compra um imóvel também se compra um lugar, com certas características garantidas por um zoneamento urbano. Se você está disposto a abrir mão disto em nome do desenvolvimento urbano, não reclame quando o som de uma casa notura ou cheiro de fritura do restaurante chinês que foram abertos ao lado de tua residência te invadirem os sentidos, pois é isto mesmo que se configura no limite da liberdade irrestrita ao ponto de suprimir a liberdade de não ser importunado pelas externalidades da vizinhança. Você está pronto para isto?
>> rendering freedom: 5 livros para entender e amar cidades http://www.renderingfreedom.com/2014/05/5-livros-para-entender-e-amar-cidades.html?spref=tw
Anselmo, obrigado pelo comentário!
ExcluirDiscordo da sua observação. O produto que você compra é o seu imóvel, no seu terreno. É possível comprar lotes em bairros privados e condomínios que garantem as decisões de um ambiente maior pelos proprietários. Não acredito que isso deva ser aplicado na cidade como um todo por uma série de motivos.
Primeiro, o que está no entorno do seu imóvel não é seu, não é o produto que você comprou, mas sim produtos que outras pessoas compraram e tem liberdade de alterá-los. A sua prerrogativa congelaria o mundo ao redor da sua propriedade considerando que você comprou o bairro inteiro, o que não é verdade. Caso você queira controlar o bairro inteiro, você deve comprar o bairro inteiro.
Em seguida, é impossível dizer o que é uma mudança "aceitável" e o que não é no ambiente do seu entorno. Se você se mudou porque existe um restaurante que você gosta na frente do seu prédio, você vai proibir que ele deixe de existir para manter as "qualidades do lugar"? Claro que não. Assim como você usa o exemplo de abrir novos empreendimentos que você não deseja no seu bairro a situação também deve ser imaginada no sentido contrário, empreendimentos fechando ou indo embora.
Em seguida, se você está falando em externalidades, elas são muito mais impactantes por causa do zoneamento do que apesar dele. Trânsito é gerado pela necessidade de deslocamento gerado por bairros monofuncionais, o que também gera poluição. Bairros atraentes ficam cada vez mais caros e outros deixam de se transformar e morrem, porque estão congelados pelo zoneamento. Zonas industriais abandonadas existem exatamente por este motivo, assim como bolsões elitistas como os Jardins em São Paulo.
Enfim, como você mesmo falou, a questão não é tão simples assim. Recomendo a leitura dos livros e deste blog, que talvez faça você entender melhor meus argumentos.
Abraços,
Anthony, eu não vejo desta forma. Tua analogia sobre o impedimento de uma atividade sair de um bairro ser tão danosa quanto à proibição de entrar não procede. Em primeiro lugar, concretamente falando porque não é disto que se trata de um zoneamento: de impedir a liberdade de extinguir um negócio ou decretar falência, mas sim de impedir e/ou limitar a presença de fatores indesejáveis ao que os moradores locais aceitaram como parte da constituição da localização de seu imóvel. Este, o imóvel não existe solto no espaço, quando se compra algum, se compra o mesmo com certas características. A questão não é que “certas características o valorizaram”, mas que elas impediam a deterioração do próprio imóvel. Não me refiro ao valor de troca deste, mas sim ao seu uso. Não é justo que tais características sejam prejudicadas por elementos que as transgridam sem ao menos alguém ter que pagar por isto. Exemplos? Determinados tipos de poluição. Por isto o zoneamento é sensato, uma vez que certas atividades, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico em que nos encontramos, poluem mesmo, seja atmosférica, sonora, visualmente, por cheiro etc. se admite sua ocorrência em áreas apropriadas para tal fim. O que não pode é se adquirir um imóvel e, de repente, a externalidade negativa nos atingir dentro do lar e se alegar com isto que “está fora de teu imóvel, então tudo bem”. Claro que não “está fora”, pois o fator impactante trouxe sua consequência até mim, até o interior do mesmo imóvel. O zoneamento se configura como consequência ‘natural’ (entre aspas) de uma cidade que é, dentre outras coisas, um campo de conflitos de interesses e não um todo harmônico onde todos concordamos com tudo. Sobre as aspas: não existe naturalidade em sistemas sociais, por isto coloquei a expressão entre aspas, mas o zoneamento é tão necessário que até mesmo cidades que não o têm (como Houston) apresentam acordos com os vizinhos (veja a importância da base local, descentralizada) que, em termos práticos, dá no mesmo, na restrição. Agora se eu fosse religioso e comprasse um imóvel porque está próximo de uma igreja, para digressar mais no teu contra-exemplo... E esta igreja abandonasse o bairro, eu não teria o direito de protestar, ao menos legitimamente, porque o beneficio que o culto me trazia não era algo que “entrava no meu imóvel”. Já, se eu fosse avesso a ideia, eu poderia reclamar se o ruído (os cânticos) adentrassem no meu imóvel acima do permitido. “Acima do permitido...” Qual o nível tolerável? Depende da zona em que teu imóvel está inserido. Quanto ao outro exemplo de que o tráfego intenso existe porque há bairros monofuncionais... Também discordo porque a cidade não é, mesmo onde não há ou não houve zoneamento, cidades com bairros auto-suficientes. Ela reflete o mercado e o centro (ou centros) tendem a concentrar atividades variadas que levam ao tráfego devido à demanda por seus produtos. Mesmo porque, a auto-suficiência de bairros não impede deslocamentos porque pessoas vêm e vão trabalhar em diferentes bairros mesmo que houvesse vários tipos de atividades em seu próprio bairro. Não há como ter uma VW em cada bairro de São Bernardo do Campo, p.ex. É diferente de ter padarias ou super mercados em cada bairro... Mesmo tendo bairros completos, no sentido de oferta de serviços teremos, obviamente, trânsito intenso conforme a oferta de trabalho aumentar na metrópole.
ResponderExcluirQue é metrópole, justamente, por isto, por atrair gente em busca de trabalho em diferentes pontos da cidade gerando tráfego e mais tráfego. E, além de tudo há zonas de uso misto justamente para suprir esta lacuna para quem assim prefere. Jane Jacobs & Cia estão na moda, muito bem, mas para além da downtown existe outro tipo de mundo com necessidade de outro projeto. Afinal, mesmo ela tinha um conservadorismo adequado para uma Manhattan que devido ao liberalismo econômico que defendia pode não ser a Manhattan de amanhã. Sua visão de bairros diversificados e com comércio intenso pode dar lugar à grandes shoppings que porão abaixo a convivência dos pequenos empreendedores devido à ausência de zoneamento. Nem defendo isto, mas pode ocorrer, por que não? A esta altura tu deve estar pensando “o sujeito quer engessar toda a cidade...” Não. O zoneamento pode ser flexível e mutável como, na verdade, já é. E, mais do que isto, o zoneamento pode ser substituído por um tipo de legislação mais inteligente... Vejamos o caso dos condomínios: no caso de Jacobs, os passeios públicos, o espaço de convívio não é “socialismo”, mas uma necessidade do liberalismo (econômico), uma vez que só os espaços privados limitam o fluxo, o comercio e, por fim, a liberdade. Por isto, a ideia de que condomínios preencheriam a necessidade que um zoneamento se propõe me traz desconfiança. Não vejo a defesa dos condomínios como solução para acabar com o zoneamento, mas vejo sim, o zoneamento como podendo ser alterado e adequado às novas necessidades. Admito, no entanto, que o zoneamento possa ser substituído por uma legislação eficiente que impeça que externalidades negativas atinjam o interior do imóvel, mas isto vai depender de adaptações tecnológicas não totalmente disponíveis que não provoquem a poluição indesejada que atinge moradores estejam onde estiverem.
ResponderExcluirGrato pela atenção.
A tendência, ao contrário do que você falou, é que as atividades produtivas poluam cada vez menos. As cidades eram mal vistas no passado pois eram os centros das indústrias altamente poluentes, e as pessoas viviam em meio à chaminés de fumaça preta (lembrando que, mesmo assim, preferiam esta vida do que a vida no campo). Cada vez mais criação de riqueza depende menos de manufatura e mais de criatividade e serviços, com manufatura de processos mais otimizados e mais limpos.
ExcluirPor fim, o próprio mercado imobiliário organiza essas funções no território de forma altamente eficiente, eu diria que mais eficiente que o zoneamento pelo burocrata. Fábricas poluentes simplesmente não se inserem em meios urbanos pois precisam de grandes galpões com proximidade à infraestrutura rodoviária, algo oposto à terrenos caros e apertados nos centros urbanos onde essas externalidades se concentrariam.
Agora, comentando sobre o trânsito, acredito que você se equivoca ao chegar à uma conclusão baseada nas suas suposições pessoais e não nas evidências reais de como as cidades se desenvolveram. Bairros monofuncionais e com densidade restrita por zoneamento prejudicam a caminhabilidade por distanciar as atividades, o que por sua vez prejudica o funcionamento de todo o sistema de transporte coletivo para as viagens trabalho-casa. Além disso, uma multiplicidade de tarefas diárias além da viagem casa-trabalho deixam de ser feitas a pé e passam a ser feitas de carro: ir à farmácia, ao supermercado, no banco, na padaria, no dentista, costureiro, etc. Durante minha infância morei em um bairro residencial zoneado e sempre dependi do carro para estas tarefas. Hoje moro em um bairro misto e faço todas elas a pé, e isso é verdade para qualquer morador de uma metrópole. A literatura sobre este tema é vasta e praticamente uma unanimidade no estudo contemporâneo de urbanismo.
No fim você fala que o zoneamento deve ser flexível, mutável e inteligente: de que forma, se ele prejudicaria os moradores como você argumentou no início? Não vejo como defender esta tese sem contradizer os argumentos principais da sua defesa.
Em seguida, você argumenta que condomínios exterminam a vida na rua do passeio público. No entanto, é exatamente o mesmo resultado que bairros monofuncionais geram na cidade, o que deveria ter a mesma conclusão. Ainda assim, não defendo estritamente condomínios, mas principalmente loteamentos e bairros privados, que são espaços abertos ao público mas de administração e propriedade privada.
Anselmo, obrigado pelo comentário detalhado. Leitores como você são essenciais para o início de um debate sério sobre a cidade, algo que falta no urbanismo brasileiro. Gostaria, assim de responde-lo com minhas observações.
ResponderExcluirEntendo o seu ponto de vista no sentido de que é difícil alterar o zoneamento de um bairro que JÁ POSSUI possui zoneamento pois o cidadão se sente no direito de defender as características legais que existiam quando ele comprou o imóvel. No entanto, essa legislação é semelhante ao protecionismo ou subsídios que empresários tem para atuar em um determinado mercado: eles abrem suas empresas se beneficiando de uma legislação, embora essa legislação os beneficie em detrimento do resto da sociedade. Este é o mesmo resultado do zoneamento. Talvez seja razoável defender uma reparação para estes moradores na eliminação do zoneamento, mas é difícil argumentar que ele traz resultados bons para a cidade como um todo.
No entanto, você estende a sua defesa nesta escala falando sobre externalidades, e assim sigo minha resposta.
Primeiro, o próprio zoneamento é aquele que atualmente mais produz externalidades nas cidades, como comentei antes. Poluição e ruído gerado pelo trânsito é em grande parte resultado do zoneamento, que você contesta mas vou discorrer em maior profundidade em seguida.
Em seguida, você comenta sobre a “internalização de externalidades” produzida pelo zoneamento. É exatamente isto que defendo com loteamentos e bairros privados, onde os moradores tem controle da propriedade e, assim de como será este zoneamento. Não vejo nada de errado com isso.
O problema é quando se delega este zoneamento ao poder público, que pode impor um determinado zoneamento sobre um bairro que não gostaria desse zoneamento, eliminar um zoneamento que os moradores gostariam de fato arcar com os custos para mantê-lo ou, ainda, privilegiar moradores com zoneamentos que produzem resultados negativos para a cidade mas que não transferem estes custos aos moradores, como é o caso dos bairros Jardins, em São Paulo. Produzido por um loteamento privado este zoneamento foi incorporado à legislação da cidade, e hoje protege os moradores mais ricos da cidade para que o bairro deixe de se transformar, sem que haja pressão imobiliária no preço dos seus terrenos.
Em seguida, você vê o zoneamento como a única forma de resolver as externalidades, o que é falso. Além dos bairros privados, condomínios e loteamentos já mencionados, alguns casos podem ser resolvidos com “Coasian bargaining” (ver Teorema de Coase) e em outros casos a externalidade negativa é simplesmente irrelevante, dados os benefícios das externalidades positivas da ausência do zoneamento. Isso é o caso no desenvolvimento de muitas das grandes metrópoles da humanidade. O desenvolvimento de Nova York por mais de um século não tinha este tipo de provisão, mas milhões preferiam habitar a cidade de qualquer maneira dado o spillover effect da cultura, educação e oportunidades de trabalho que a metrópole gerava para os seus habitantes. Nossos centros urbanos se desenvolveram da mesma forma, com ausência de zoneamento e uma grande atratividade, que hoje voltam a se tornar bairros chave nas nossas metrópoles justamente dadas às suas qualidades urbanas.